Friday, October 19, 2012

Epitáfio de Portugal

Aqui jaz Portugal
cuja data de nascimento
e data de morte
não têm precisão tal
que haja discernimento
capaz de lhe ler a sorte.

Da fibra que teve
apenas reza que foi por necessidade
sem grande interesse no bem comum
à medida que a gente ferve
por causa da riqueza e da vaidade
de todos e mais algum.

Alimentação farta se concedeu
enquanto outros se contentavam
com bifanas, cervejas e tremoços
Sugaram-lhe o tutano no apogeu,
lambuzando os dedos olhavam
enquanto ficavam apenas os ossos.

Oh burocracia entrevada,
que nem numa cadeira de rodas é empurrada!

Dizimaram a Flora em prol do alcatrão,
não vêem que não chegam a lado nenhum
sempre só a cultivar o betão;
dizimam-se futuras colheitas
cimentando o pão às pessoas
que se vêem obrigadas
a abandonar a agropecuária
que nos séculos anteriores
tiveram no coração.

Não há lugar a elegias
ao moribundo país,
que acabou com as alegrias
de um povo que não lhe traz flores à campa.

Portugal, Portugal, que nas tuas próprias terras jogaste sal!

Sunday, October 14, 2012

Casino

Luzes langorosas
contrastam com o frenesim das salas

O piso alcatifado não ampara
os golpes de quem sucumbe ao vício

Hoje já não se vê o primor do vestuário,
circulam ténis néon apressados
à mesma velocidade de sapatos de verniz.

Há um misto de desespero, vergonha e ambição no ar:
uma expectativa diferente de quem quer ganhar.
E no meio de tudo um casal de idosos apaixonado
conta anos de casados na máquina da sorte.

O mundo gira tão veloz quanto a roleta
e o resultado para a maioria é sempre a perder,
à medida que o dinheiro muda de mãos
como numa prova de estafetas a correr.

Wednesday, October 10, 2012

Lambendo as tuas lágrimas de veludo azul
provo a Tristeza
e fico a conhecer o sabor da tua dor.

Eu estou aqui à tua espera
de braços abertos
vazios
como a terra que anseia pela água
que a faz ganhar vida.

Meu Amor. Meu Amado.
De quem eu sou amadora.
De quem eu sou amante.

Vem para mim
na cálida brisa
que faz ondular o meu cabelo
como se  fosse um teu afago.
E faz de mim tua para sempre
ao baptizar-me com a luz que emana do teu coração.

Assim é o nosso Amor.

Sunday, October 07, 2012

Mandamentos: "Não ser como ela"


  • Não subjugar
  • Não agredir
  • Não mentir, enganar, ludibriar
  • Não explorar e usar
  • Não descarregar
  • Não queixar
  • Não se auto-vangloriar
  • Não trair
  • Não se auto-vitimizar
  • Não magoar
  • Não enervar
  • Não esperar
  • Não frustrar
  • Não pisar
  • Não impedir
  • Não julgar
  • Não criticar
  • Não gritar
(poderá sofrer adições)

Tuesday, October 02, 2012

Para a Fernanda*

Um coração de oiro que irradia luz,
num corpo de deusa grega,
queimado ao sol mediterrânico,
tem esta mulher que nos seduz
e nos deslumbra mal chega,
acalmando todo o pânico.

Doce bálsamo, Fernanda, produz
ao nos presentear com a sua amizade.
Vejo a sua classe e a bondade
e aspiro ser como ela,
chegar aos calcanhares dela.

Sei que essa altivez é nobre
e está nos nossos corações
mesmo quando se encobre
momentaneamente de ilusões.

Porque sonhamos com a ilha dos prazeres
longe daqui e da gaiola
que nos aprisiona com dizeres
de quem nem sequer foi à escola.

E finalmente empilhamos essa espera
como jornais que acumulam pó,
mas avistam dias melhores
pois com Fernanda sinto-me menos só.

* À minha querida Fernanda, agradeço a amizade e o carinho. Obrigada por ser quem é e a única amiga que liga para saber de mim :)

Monday, October 01, 2012

E tudo desfalece

Tudo ficou de um azul-cinza claro
e na minha boca um travo amargo,
é o final de mais um dia no mundo
e a paisagem pontilhada de focos-laranja
anuncia o sentimento outonal do vento calmo.

Retalhei os fios de cabelo que choram à despedida
desfiam-se pelo chão durante estas semanas
porque estão cansados mas ainda anseiam renovação.
O renascimento que não vem,
o renascimento difícil,
a vida em pausa antes de um último esforço.

As andorinhas inexistentes e as cigarras caladas,
os ramos que estáticos murmuram algo ao vento
e eu não vejo qualquer esperança para o sol,
já não lhe vejo o alento.
Amanhã tudo estará igual em lento esmorecer
e depois disso também, um dia de vida
a equivaler um dia de morte,
como em todos os dias que ninguém vê.

Os focos-laranja artificiais parecem-me agora
de beleza extraordinária, como a dos pôr-de sóis
que vi outrora, com raios de luz mágica e moribunda,
mas que deixavam nos nossos corpos a sensação
de que renasceriam quais fénix, dia-após-dia,
para um espectáculo dissonante.