quinta-feira, fevereiro 08, 2024

Intransponível

  A tua mente inexcrutável dizia-me que eu, beduíno, jamais entraria no teu oásis. Quis viver contigo, mas só te consegui dizer depois de tudo estar perdido. Quis ter um teu filho, como nunca antes tinha querido com ninguém, disse-te no inicio, e brincávamos com o nome Zé Augusto. Estavas sempre a travar batalhas diárias e eu, ao ver-te cansada, fazia piadas, porque era só o que te punha a sorrir. Excepto quando te detinhas e olhavas-me, como se eu fosse o teu menino. 

Nunca soube o que pensavas, senão da depressão com que te animavas e do quanto o mundo todo te era hostil. Eu gostava de pensar que te salvava, como tu me salvavas do marasmo inútil dos dias, assim que te adivinhava chegar na rodoviária e nem a camioneta tinha ainda feito a curva e já todo o meu corpo entrava em sentido. Era das ocupações a que eu mais aspirava: ir ter contigo e carregar-te a mala, "dê cá ao seu bisagó", brincava. Afinal, tu tinhas sido a falsa princesa que me encantara. 

Eu amei-te tanto, pequenina, mais do que soube aguentar e explodi em pranto quando tudo teve de terminar. Eu nunca te dei o valor que merecias, mas tu foste tudo para mim. Por isso, nunca terá fim. 

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