quarta-feira, março 06, 2024

Jazz

 Jazz na avançada madrugada e és tu em que eu penso. Está frio, tenho os pés e mãos geladas e o resto do corpo escaldado como se a dor o aquecesse. Esse pesar que machuca de mansinho, não só o coração no peito, mas tudo o resto com o sopro do fúnebre do saxofone que lembra que está tudo morto. Mais uma vez a mágoa da destruição do nosso amor, mais uma vez o refrão repetido de todo e tanto desamor. 

Chega-te a mim, meu amor. Chega mais perto, vem aquecer o que já não tem calor, pois só o teu sopro quente pode dar ao nosso coração a hipótese de re-ignição. Eu queria-te para a vida toda, por isso como não quiseste não te pude ter. Nunca te deixei, fiquei sempre do teu lado como um dia me disseste que estamos sempre juntos. Eu acreditei. 

Esse som que oiço agora, é de uma melodia doce, e apesar de não ser o da tua viola, ou da tua voz - ah como não há outro som igual! -, já não parece tão frio como antes o saxofone estava a soar. Talvez sejam os toques aleatórios curtos nos pratos, essa interferência que o adocicou de alguma forma. 

Sei que não acreditas em mim, mas se por vezes fiz de propósito para despistar todos e até me forçar a mim a não pensar em ti, foi sempre em ti que pensei. Aliás, sabes bem da minha obcecada música que mais parecia um trompete tão ávido quanto o de Miles. No entanto, como ele, também eu parei para te escutar, tantas vezes no que me dizias, pensava eu. 

Essa jam session louca, instantânea, improvisada até ser tresloucada, foi um erro da minha parte que não pensei em compor, apenas tocar, gritando todos os instrumentos para tentar expressar o que estava a sentir e todo sentimento. 

O meu solo não escutaste tu. O teu solo não quis escutar eu, porque a dor era demasiado grande de te ouvir toda a hora a maltratar-me e a insultar-me. Tu não me defendeste, não me protegeste, não me quiseste falar, não me quiseste abraçar, não me quiseste a mim mesma para nada. Eu que nunca percebi a verdade por trás do teu chamado, nunca entendi que não me quiseste com o meu solo.

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