Thursday, August 27, 2009

Patrícia

Era uma menina-mulher. A característica dela, que mais saltava à vista dos que privilegiavam da sua companhia, consistia numa espécie de tique - pela repetição do movimento, embora em nada nervoso -, que era o enrolar de uma mecha de cabelo num caracol, à sua direita, permeando-a com o indicador e o dedo do meio.

Não era Patricia Highsmith; não efabulava, até fora sempre bastante terra-a-terra, senão na área do coração, pois esperava um dia viver um amor arrebatador, "daquele que dói algures no corpo", como uma ferida, provavelmente junto do peito onde está o coração.
Mas, quanto a isso, permanecia sempre em dúvida: "Como é que se sabe que é o homem certo?", pensava volta e meia. E, de vez em quando, procurava a resposta junto de amigas mais velhas, mal sabendo que iludida, por dizeres populares: "Quanto mais velho, mais sábio."

Próprio do universo conceptual feminino, o interesse pelas coisas espirituais, ou espiritualizadas, como a intuição e a astrologia, encontravam em Patrícia uma pequena aprendiz.
As suas capacidades relacionais e afectivas, daí, surgem num crescente de preocupação e generosidade para com os outros.
Não havia ninguém como ela, no que toca a convencer pessoas: ora eram assaltadas pela sua perseverança, ora seduzidas pela sua inocente graça.

Se se perguntasse aos amigos, quais as palavras que a definiam, seriam, entre outras, certamente: Alegria, Generosidade, Espontaneidade, Bondade, Beleza, Pureza, etc.

Numa Era em que todos pensavam em carros, Patrícia pensava em abraços.
E não é só isso que verdadeiramente importa?

(esta é a minha pequena homenagem à minha amiga Patrícia)

Friday, August 21, 2009

Pessoas: vida e morte.

Há pessoas que se eregem como templos, na solidão do silêncio dos deuses.

Nós apenas temos uma vida para nos ocuparmos enquanto a morte não chega.

A morte é silêncio e a vida é ruído; enquanto estamos vivos, a morte é um ruído na nossa mente, mas quando morremos a vida torna-se no silêncio.

E existindo apenas morte e vida, e nada fora de ambas, nunca nada é assim tão linear.

Monday, August 03, 2009

Pela ternura que tem um berço nas tuas mãos

A vida é um continuum de momentos finitos. De pessoas finitas. Cujas memórias só o são depois de o deixarem de ser.
É um passado remoto que ninguém controla e que o tempo se encarrega de transportar para o presente e para o futuro, dobrando-se nas suas esquinas fugazes e diáfanas.
Sentimos a falta da pessoa que amamos, pela ausência do calor a que ela nos habitua. De manhã, quando acordamos e olhamos para o lado; de noite, quando lentamente entramos no reino dos sonhos.
As memórias passeiam-se, sem trela, pelos cantos, ora escuros, ora inundados de luz, da mente que se preenche com a ausência da pessoa que se ama.
De noite, as memórias, oníricas, concretizam a profecia: "transforma-se o amador na coisa amada". A metamorfose que não é física, como já foi, mas sim mental. Em ambos os casos há algo de espiritual nessa osmose das pessoas que se amam.
Sentir saudades da pessoa que se ama, é sentir um constante vazio no peito, que incomoda a todo o instante, lembrando-nos da falta do calor da sua presença.
Enquanto se celebra o luto da ausência do amado, com a festa das memórias de momentos finitos, mas intensos, cria-se a ilusão de que eles perduram - a ilusão da eternidade de momentos felizes -, aguardando-se serenamente por aquele calor que é só nosso.