Sunday, October 23, 2011

Na minha cidade.

Na minha cidade há jardins vários
com carros de todas as cores
a desabrochar todas as manhãs
para o rebuliço das ruas.

Há também árvores inúmeras
com olhos-janelas
que despertam com a luz do sol
e brilham
para iluminar os rostos dos curiosos.

Na minha cidade há riachos de pessoas
que ondulam juntando-se umas às outras
pelos passeios apinhados.
O chilreio das buzinas dos carros
e rugidos dos seus motores
são a banda sonora diária
de quem vive nesta selva de betão.

Aos bandos, regressam aos dormitórios
de todas as alturas
e como pássaros, desfiam as penas
pelo ar poluído da cidade.
Essa perda está directamente associada
ao movimento regurgitador
da barriga do transporte público
que as vomita
expelindo-as cruas e envoltas
nos seus próprios pensamentos azucrinantes.

A cidade engole os riachos, as àrvores, os jardins,
e sempre, num processo mais lento e sacrificial,
as pessoas,
que não o sabem, mas vivem na minha cidade.

Tuesday, October 18, 2011

A riqueza através do trabalho, jamais chegará para compensar a pobreza causada pela corrupção e pela falta dele.

Sunday, October 16, 2011

Libertino

Actores como crianças que anulam o tempo, querem tudo para agora...

Fugi do teu amor e quando regressei tu não estavas lá para me receber
e eu já não podia voltar para antes disso.

Ao contrário do amor previsível, tu não pareces saber aquilo que eu vou dizer
nem mesmo quando eu o digo.

As feridas que cravejam o meu corpo não te horrorizam,
mas as cicatrizes traçam a distância entre nós.

Selvático, com laivos geniais a texturizar a loucura, o meu ser devoto ao teu,
por obsessão desenfreada, jamais soube o que era feito de ti.

Flores da noite, colhidas ao luar, as mulheres que nunca preencheram o vazio de não te ter.

Agora o tempo passou e a rosa que te dei, no fim da tua actuação,
murchou à mercê de um palco deserto.

Wednesday, October 12, 2011

Alina, a modelo

A voz interior ausente,
perdida algures numa bagagem esquecida
na passadeira rolante do check-in do 1º aeroporto
e depois...

Intermitente, a existência de Alina que ía de vôo em hotel
e de hotel em vôo,
com as longas pernas alvas, de gazela albina fugidia,
em constante frenesim, mas sem desfilar cansaço.

Alina, a modelo, cujo corpo resplandecente
era transformado como o de uma boneca;
quase três pares de mãos lhe tocavam o rosto
e mais dois lhe percorriam o resto do corpo,
porque a perfeição nunca é atingida.

Por uma fracção de segundo, Alina olhou-se ao espelho,
por entre os corpos dos malabaristas que a tocavam,
e pensou: "tanto trabalho para me tornarem em algo diferente.
Sombras e pós, que num acto mágico aplicam uma máscara,
tudo tão falso e de certa forma doloroso...
e ainda assim é por esta aparência que as pessoas me invejam
e consequentemente me tratam mal
porque apenas vêem o que eu aparento."

A ideia de que todos a podem tocar, por ser Alina, a modelo,
 e a ideia de que será sempre intocável...

Porém, a sua altivez apenas é visível ao lado dos outros corpos
que insistem em tocá-la; esses artífices pequenos.
Ninguém a amará pelo que ela é, porque ela nada pode ser,
senão aquilo que cada um deles quer que ela seja;
a tela em branco para quem a olha imaginar o que quiser.

Alina é simples, nas suas linhas corporais e no seu discurso,
no entanto a sua existência está minada por complexas questões,
da maior parte das vezes abafadas pelos longos tecidos das roupas que tem de ostentar.

Alina, a modelo, será sempre bela e jovem como nas fotografias
que lhe tiram quase sem perguntarem.
A pressão é constante e os olhares e os apressados horários também não têm descanso.
Ela tem conhecido o mundo inteiro na suas viagens,
mas não há, no mundo inteiro, alguém que realmente a conheça
e viver assim torna-se demasiado solitário.
O síndroma de Marilyn Monroe não chega a persistir,
pois Alina desconhece que é só.
Todos o somos e não há mal nisso,
senão quando começamos a tomar consciência
e, então, não o sabemos aceitar.