Sunday, December 13, 2009

Sucumbi no lacónico desejo

deixei-me sonhar

pousei um dedo na ponta
de um teu seio

assim
sem saber sequer

vislumbrei esse teu cume de mulher.

Sonhos partidos
cacos do nada

estava deitado na estrada
como se dorme na própria cama

mas em vez do lençol a cobri-lo
não tinha mais nada senão lama

fora varrido pelo motor potente
do carro do destino

não tive qualquer mágoa derradeira
senão quando segundos antes do último suspiro
abri os olhos e percebi : 
o teu cume era antes uma pedrinha no alcatrão
e aquele lençol negro era o meu fim.   

Monday, November 02, 2009

Sensações

Se as tuas mãos fossem iguais às minhas
será que sentias aquilo que eu sinto
quando passo os dedos pela tua pele?

Serpentes de desejo sibilavam pelo meu corpo
e o sabor da tentação era o fruto doce
que eu trincava sem hesitação.

Sopravas olhares e o meu rosto dissolvia-se em rubor,
agora as metásteses do teu olhar
ainda contaminam as minhas memórias;
morro dessa cura, com a solitude como guardiã.

Soubeste escrever-me nas mãos um destino de sal,
vigoroso sabor nos dedos lânguidos que chupaste,
sem te conteres entre línguas e abraços.

Wednesday, October 21, 2009

Foste o último raio naquele pôr-do-sol.

Escondi-te na palma da mão enquanto tu me sorrias.
Dobraste a esquina e pude ver-te o olhar, rasgão de luz, última, no pôr do dia.
Viajei sem reparar, ainda nos teus cabelos, caminhando, vislumbrando o brilho deles ao luar.

Sinais de fumo me lembravam a tua pele, sufocada pela poluição da cidade,
à espera de um banho de mar, purificante.
Fiquei com o sal da tua pele nesse dia a perdurar-me na ponta da língua,
e dos teus lábios colhi grãos de sêmola de trigo, doce, que se desfaziam na minha boca.

Ainda é cedo, meu amor, disseste-me. Mas já era muito tarde, sabia-o de certeza.
Não te pude mais ver, nem sentir o teu sabor, e nas minhas digitais podia ainda sentir a areia da tua pele. Corri, corri, para que o teu corpo e a tua mente não me pudessem mais invadir, para que com a fúria do vento te expulsasse de mim... Porque já era muito tarde, porque não podíamos mais existir, porque tinha de ser assim.

Monday, October 19, 2009

A memória da persistência

Busco, desde há sete anos, o trilho para chegar até Mariana. Exangue, sigo os seus passos, adivinho-a e oiço os ecos da sua voz que ficou presa nas ondas eléctricas do magnetismo terrestre e que a Mãe-Natureza me devolve, num acto similar ao de um sacerdote que entrega as cinzas de um cadáver acabado de cremar.

Contorna a base do penedo, enorme. As suas estepes são as costas de um gigante, cravejadas de rebentos que se erguem do suave musgo-alcatifa.
Lúcia-lima e dançam mosquitos, hortelã-pimenta que piso e é um bálsamo para os pés cansados da exploração errante.
Beleza selvática que se revela mutante de um mundo paralelo ao do meu familiar campo prazeroso.

Chegando ao planalto, do topo do abismo se avista o lago, reflectindo monstros semelhantes aos borrões de Rorschach; é uma lagoa na cratera do vulcão, ladeada por pequenos monstros de cinza.
Jorrava o verde em todos os seus tons: verde-água, verde-esmeralda, verde-seco, verde-malaquite, verde-palma, verde-absinto, verde-limão, «assim como os olhos do meu coração».

Segredam-me murmúrios de estalactites, como quando o vento serpenteia a costa. Ao longe, as ondas eram orquestradas pelo pensamento de Mariana, num compasso binário, iam : pausa, vinham : percussão. Atlântico, o mar, e de repente um som ténue, depois engrandecido para música com ritmo sincopado, da minha infância o bater dos pauzinhos das rendas de bilros que a minha avó malabarismava. Aquele ritmo ancestral e o olhar da minha avó sobre mim, tecendo esperanças e sorrisos a meu favor. Primorosamente, espuma de bilros em rendas espraiadas pela orla marítima. A memória da persistência. Gotículas aderiram ao interior das minhas narinas. Através da simbiose das moléculas do sincretismo que se apodera de mim, dá-se o equilíbrio dos elementos.
Um nevoeiro amargurado prepara-se para expulsar os pequenos duendes beneméritos e abraçar a noite dos bichos noctívagos. O estoicismo com que as plantas se recolhem, de estames vigorosos e caules hirsutos, de quem perdeu mais uma batalha, mas não a guerra. As folhas, largas e outrora protectoras, falecem no descendente lusco-fusco do horizonte desfocado. Derrama-se a penumbra e as sombras esponjam-se sobre todo o vale. «É de noite a Criação.»
No altar do planalto, com vista para o abismo aquoso, vejo o etéreo corpo de Mariana. Jaz, incólume, como sacrifício recebido pela terra que a abraça com os seus áridos feixes, enrodilhando-a nos membros e no tronco. Nota-se florida na cabeça de Mariana, sobressaindo dos seus cabelos rebeldes, uma coroa de vime seco, pintalgada por pequenas flores de um cinzento-claro, que fazem lembrar o nevoeiro que há-de vir. Não tarda, a voz do silêncio cobre de meditação o frondoso mundo selvático que ficou abaixo do leito de Mariana. Gotejam-se chilreares tímidos..., escasseiam-se... e deixam de existir. Permanece «a serenidade que embala a vista com ternuras tristes». A tua ausência está cravada na negritude da rocha vulcânica, assim como na minha alma. Encontrei-te, finalmente, estiro-me ao teu lado e entrego-me ao húmus. Nem o nevoeiro amargurado e as criaturas da noite conseguem expulsar-te deste lugar, Mariana.

Sunday, October 18, 2009

O Homem-Nada

A minha vida é um círculo perfeito, preenchido com o nada. Os dias nela são sucessivos nadas e, ainda assim, o tempo continua a passar. 
De vez em quando espirro, outras endireito as costas, e por minutos, poucos, consigo manter uma postura de uma certa altivez. Mas lentamente, com a mesma inércia de quem está dentro de um autocarro e chega a um destino sem se mover, e sem saber como se chegou, torno a ficar encurvado, como quem carrega um mundo indiferente nas costas. 
A minha estrada - há quem lhe chame caminho -, é recta, ladeada por funestos chorões, e a sua perspectiva fá-la terminar apenas no horizonte. Havia quem dissesse em tempos, que eu era um maníaco do controlo. Não me parece que hoje controle o meu nada ou tenha controlado a minha vida para chegar a este nada e mantê-lo assim. 
Não é alguma coisa, de muito interessante, este meu nada? Não me parece que careça de manutenção sequer. Talvez seja o puro nihilismo que teóricos sempre procuraram alcançar. O nada que, para variar, não é tudo. 
Visivelmente, há marcas de uma aventura passada, em que havia alguém - no final, no derradeiro fim de tudo, só ela permanece, só ela conta para alguma coisa -, em quem acreditei. Gostei dela como se gosta de um animal de estimação, um companheiro que morre ao fim de uns anos de simples afecto. Cheguei rapidamente à conclusão de que somos sós; de que não há quem nos aplaque a dor da consciência, eu pelo menos não tive a sorte de encontrar essa pessoa, de quem ouvi contar de apenas de uma pessoa, que é como se fosse nós fora de nós e que está sempre dentro de nós. Complexo e daí algo confuso, não? Para quem estava talhado para o nada, eu certamente não serviria, não seria merecedor de encontrar essa pessoa assim tão mágica. Por isso, também não posso dizer que no meu fim estará ela, contará apenas ela, pois nunca existiu mais ninguém. 
Este meu nada é um acumular de solitude num icebergue monumental. São poucos os momentos em que o pesar me vem delapidar o sono ou o respirar. Há muito que não há sentido qualquer - num círculo nunca o há, ou se há, é apenas em si mesmo, numa tautologia da forma -, nesta existência de solidão.

Wednesday, October 07, 2009

Poema da "Aborrescente"

Gritava, Gritava, como uma gralha histérica
Guinchava, Guinchava, como uma porca da matança,
Tinha o péssimo hábito
de atirar coisas para cima das pessoas,
dos tolos,
Não era nada genuína,
era simplesmente uma Adolescente
que muito Aborrecia.
Dava de beber à fome; era louca.
Servia vodka com gelatina e doces gordurosos.
Para conselhos sábios tinha orelhas moucas
e comentários aleivosos.
Os tolos davam risadas,
até que muito depressa, já não havia paciência
e era o fim de tantas gargalhadas.
Ela dizia que se suicidava,
naqueles cabelos escorreitos,
e assim a vida de um ou outro atrapalhava,
mas já eram cada vez menos os sujeitos.

+-5 am, 07-10-09

Thursday, September 10, 2009

Aeroporto

(...) independentemente das emoções de se ir deixar ou buscar alguém, havia sempre uma excitação por se lá ir.
Era uma dimensão diferente; não pelos seus portais, para outros mundos, de entrada e saída de pessoas estranhas, mas pelos mundos de pessoas de todos os feitios e de todas as línguas, que ali se encontravam por acaso.

O fascínio: do mármore; de se ficar colado ao vidro, a vigiar quem chega - não porque se esperava alguém, mas pela hipótese de que alguém olhasse para nós e respondesse acenando de volta -; da voz feminina robotizada (muito mais elegante que no hipermercado), que tínhamos esperança que dissesse o nosso nome, que nos chamasse para embarcarmos numa aventura qualquer.
Era de facto já uma aventura, ir ao aeroporto enquanto era criança e beber todos os pormenores como se fosse uma água com bolhinhas, mil bolhinhas na língua: o câmbio das moedas que tinha de ser feito antes da viagem; a preocupação que havia com a comida nos aviões e, antes, nos restaurantes - uns tão charmosos e onde me tratavam como uma pequena princesa -, a alegria e o privilégio de avistar as hospedeiras - sonhar ser uma -, e mais ainda o comandante tão polido e brilhante.

Ah e, claro, os aviões, o que mais tarde aprendi que havia um nome, planespotting (em vez do Trainspotting do Welsh), para o que nós fazíamos, imensas vezes, naquela tenra idade - e quando, já não tão tenra, me transportava ainda para ela -, colada à rede da vedação que me impedia de correr livre naquelas amplas pistas, para ir abraçar um daqueles passarões de metal branco, com um nariz tão simpático.

Ainda me lembro dos nervos das pessoas, na luta delas para arranjar e manter um carrinho para a bagagem, encontrar um táxi, o bafo quente de Verão a emanar do alcatrão e o gelo agradável mal se ultrapassavam as portas automáticas e se entrava numa cidade diferente.

A fascinação de uma criança, talvez apenas isso. Não vou ao aeroporto há mais de seis anos e também, por razões médicas, é-me desaconselhado viajar de avião. Porém, nunca deixei de voar. Esta minha forma de voar também é, pela maioria das pessoas, considerada desaconselhável. Parece que o mundo inteiro nos põe grilhões de chumbo nos pés para forçar-nos a sermos sempre terra-a-terra, com os pés no chão e a não termos a cabeça nas nuvens.
Não sei se sentiria o mesmo fascínio, se voltasse à cidade das pessoas de outros mundos; talvez, em certa medida. Na verdade, não é tanto como as coisas são, mas sim como as sentimos. Nem se trata de como somos, mas sim como sentimos as coisas em determinado momento.

Thursday, August 27, 2009

Patrícia

Era uma menina-mulher. A característica dela, que mais saltava à vista dos que privilegiavam da sua companhia, consistia numa espécie de tique - pela repetição do movimento, embora em nada nervoso -, que era o enrolar de uma mecha de cabelo num caracol, à sua direita, permeando-a com o indicador e o dedo do meio.

Não era Patricia Highsmith; não efabulava, até fora sempre bastante terra-a-terra, senão na área do coração, pois esperava um dia viver um amor arrebatador, "daquele que dói algures no corpo", como uma ferida, provavelmente junto do peito onde está o coração.
Mas, quanto a isso, permanecia sempre em dúvida: "Como é que se sabe que é o homem certo?", pensava volta e meia. E, de vez em quando, procurava a resposta junto de amigas mais velhas, mal sabendo que iludida, por dizeres populares: "Quanto mais velho, mais sábio."

Próprio do universo conceptual feminino, o interesse pelas coisas espirituais, ou espiritualizadas, como a intuição e a astrologia, encontravam em Patrícia uma pequena aprendiz.
As suas capacidades relacionais e afectivas, daí, surgem num crescente de preocupação e generosidade para com os outros.
Não havia ninguém como ela, no que toca a convencer pessoas: ora eram assaltadas pela sua perseverança, ora seduzidas pela sua inocente graça.

Se se perguntasse aos amigos, quais as palavras que a definiam, seriam, entre outras, certamente: Alegria, Generosidade, Espontaneidade, Bondade, Beleza, Pureza, etc.

Numa Era em que todos pensavam em carros, Patrícia pensava em abraços.
E não é só isso que verdadeiramente importa?

(esta é a minha pequena homenagem à minha amiga Patrícia)

Friday, August 21, 2009

Pessoas: vida e morte.

Há pessoas que se eregem como templos, na solidão do silêncio dos deuses.

Nós apenas temos uma vida para nos ocuparmos enquanto a morte não chega.

A morte é silêncio e a vida é ruído; enquanto estamos vivos, a morte é um ruído na nossa mente, mas quando morremos a vida torna-se no silêncio.

E existindo apenas morte e vida, e nada fora de ambas, nunca nada é assim tão linear.

Monday, August 03, 2009

Pela ternura que tem um berço nas tuas mãos

A vida é um continuum de momentos finitos. De pessoas finitas. Cujas memórias só o são depois de o deixarem de ser.
É um passado remoto que ninguém controla e que o tempo se encarrega de transportar para o presente e para o futuro, dobrando-se nas suas esquinas fugazes e diáfanas.
Sentimos a falta da pessoa que amamos, pela ausência do calor a que ela nos habitua. De manhã, quando acordamos e olhamos para o lado; de noite, quando lentamente entramos no reino dos sonhos.
As memórias passeiam-se, sem trela, pelos cantos, ora escuros, ora inundados de luz, da mente que se preenche com a ausência da pessoa que se ama.
De noite, as memórias, oníricas, concretizam a profecia: "transforma-se o amador na coisa amada". A metamorfose que não é física, como já foi, mas sim mental. Em ambos os casos há algo de espiritual nessa osmose das pessoas que se amam.
Sentir saudades da pessoa que se ama, é sentir um constante vazio no peito, que incomoda a todo o instante, lembrando-nos da falta do calor da sua presença.
Enquanto se celebra o luto da ausência do amado, com a festa das memórias de momentos finitos, mas intensos, cria-se a ilusão de que eles perduram - a ilusão da eternidade de momentos felizes -, aguardando-se serenamente por aquele calor que é só nosso.

Friday, July 31, 2009

Não quero...

Não quero viajar num sonho que não tenho

Não quero sonhar numa realidade impossível

Não quero vaguear numa viagem que não é minha

Não quero sonhar uma ilusão que é distante

Não quero ser filha da noite em tempestade

Não quero mover areias que são saudades

Não quero recordar o que me roubou a liberdade

Não quero deambular num sítio desconhecido

Não quero afastar-me da luz das águas poetisas

Não quero sofrer numa terra que não é minha

Não quero amargurar numa ceia que é farta

Não quero chorar incessantemente ao luar

Não quero nada, não quero nada...

Nada, simplesmente nada quero...

Monday, July 27, 2009

DOÊM-ME OS OLHOS DE TANTO CHORAR
NO PEITO ARFANTE A MÁGOA VAI CRESCENDO
E A ANGÚSTIA OFEGANTE APERTA-ME O CORAÇÃO
AS LÁGRIMAS JÁ NÃO QUEREM PARAR
INCIDINDO NO MEU ROSTO MÓRBIDO
ROLANDO COM CADA VEZ MAIS FORÇA
DE TANTA REVOLTA, RAIVA E ÓDIO
É TÃO TRISTE TUDO O QUE SINTO
É SIMPLES E PURA TRISTEZA
AFOGANDO-ME SEM VOLTA POSSÍVEL
ENCHENDO-ME DE TANTO VAZIO
A RESPIRAÇÃO TORNA-SE MAIS DIFÍCIL
AO TENTAR COMPREENDER O QUE SE PASSA
FINGINDO QUE SE PODE COMPREENDER
TUDO TEM RAZÃO DE SER, SUPONHO
MAS O PIOR É NÃO CONSEGUIRMOS LÁ CHEGAR
AO FUNDO DAS COISAS QUE ACONTECEM
POR VEZES, SEM DARMO-NOS CONTA
ELAS PASSAM DEPRESSA AO ACONTECEREM
DEIXAM RASTOS DE ROSTOS ESQUECIDOS
NA LEMBRANÇA QUE MAGOA IMENSO
E FAZ-ME DESAGUAR NO VAZIO
NA MAIS ÍNFIMA DOR PROFUNDA
DESTE MEU CÉU TEMPESTUOSO
INFERNAL DE TANTO TORMENTO
A MINHA ALMA CAI EM DESUSO
COMO É DIFÍCIL UM SORRISO SINCERO
QUANDO EM SEGUNDOS SE DESESPERA
COMEÇO A ME CONFORMAR COM SILÊNCIO
JÁ NÃO HÁ FORÇA PARA UMA REVOLTA
DESISTO DE LUTAR CONTRA O IMPOSSÍVEL
ESTE FLAGELO CALA-ME NA QUIETUDE
SOLUÇANDO COM O IMPULSO QUE RESTA
ESTÁ TAMBÉM O MEU TEMPO MOSTO
A MINHA VIDA QUE JÁ NÃO PRESTA
NA MORTE QUE ME FEZ O ROSTO.

Saturday, July 18, 2009

Gritava contra o vento

O céu fechou-se sobre ela
e ela simplesmente abriu os braços
estendeu-os o máximo que podia
como que a dizer ao tempestuoso céu
«aqui estou, toma-me se quiseres,
leva-me daqui para bem longe,
desfaz o meu corpo,
faz-me deixar de existir,
arranca esta dor de dentro de mim».

Gritava contra o vento,
(como se a sua voz fosse um vento maior)
como quem estivesse a desafiá-lo
para todo o mundo ver
sem se preocupar se alguém ouvia
«É só isso que tens?
É só disso que és capaz?
É só isso que tens para mim?»

Esperava ela obter alguma resposta
Algum resultado nesse pedido gritado
para que lhe fosse expurgada a dor,
o negro fel que tomava conta do interior
e, palpável, crescia-lhe a partir do peito.

O vento cresceu, ergueu-se e atingindo-lhe,
tomou-a envolta nos seus dedos grossos,
lambeu-a e ela sentia-se quase a voar.

Gritou ainda contra o vento, «Sou tua».

Wednesday, July 15, 2009

"A mulher e a rosa" ou "Não há 3ªs oportunidades"


Olhei para uma rosa, aproximei-me e, ponderando, colhi a que estava ao lado dela.
Não sei por que o fiz. Sei que não foi por ter olhado primeiro para a outra, nem pela beleza que tinha perante o meu olhar.
Mesmo após ter colhido a rosa, não cessei a minha fixação sobre a que não sacrifiquei.
Mais tarde, quando a entreguei, num gesto de redenção, à mulher que eu havia abandonado há mais de três anos, apercebi-me que a rosa que eu não colhi é que tinha sido sacrificada, pois estava condenada a morrer sozinha, enrodilhada em espinhos, dela própria e das outras, sem sentir o afago das mãos suaves daquela mulher. Pouco mais de dois meses se passaram até que eu voltasse a pensar na rosa que ficou para trás, a que havia cativado o meu olhar primeiro e que, lembrava-me eu agora, possuía uma beleza inesquecível.

Agora, era o tempo da separação, do último abandono. Lembrei-me da rosa que não colhi. Pensei em como parecia que, no meu íntimo, eu já sabia nessa altura que não a devia sacrificar em vão, que ela era demasiado bela para ser abandonada de novo.
De vez em quando, ainda me lembro dela e passo a olhar para o mesmo roseiral. À mulher, deixei de ver, porque só se pode desperdiçar uma segunda oportunidade uma vez.
E o amor que sinto por ela, tal como o seu cheiro e a beleza daquela rosa, é inesquecível.

Monday, June 22, 2009

Sinais do Tempo

Lembro-me de passar os dedos sobre as pequenas borbulhas, que também eram, na altura, símbolo de uma intensa e inocente adolescência.
Agora, só existem linhas, pequenas, rugas, que também querem dizer que sorri, que me preocupei, que chorei e me expressei, lutando para ser ouvida, compreendida, amada. Sinais do tempo, esses hieróglifos das memórias e saudades, vitorioso percurso até à complacência e sapiência dos dias. Ao contrário do que dizem, os dias não são espuma, mas sim, os grãos de areia, que o mar leva e devolve, de uma imensa praia. Marcas de passagem do tempo, que ficam em pedras soltas, livres, onde estão talhadas as memórias infinitas.

Parece que já está aí, de novo, o Verão.
O mesmo barulho das pessoas, de noite, nos fins-de-semana e eu ainda no mesmo sítio, encerrada no quarto, fatidicamente, em frente ao espelho. Sentada em cima da cama; a posição de lótus não me torna automaticamente zen.
Não é meditação, esta lucubração insone, que revolve o passado distante. É apenas o resultado de mais uma noite no país da solidão.

Povo que é povo! (homenagem aos Homens da Luta)













Povo que é povo, não tem blogue
Povo que é povo, mal tem acesso à net
Povo que é povo, não tem com quem dialogue
Povo que é povo, põe-se em tudo quanto se mete

Povo que é povo, nunca provou gourmet
Povo que é povo, não conhece quem escolhe
Povo que é povo, não percebe o que lê
Povo que é povo, é grevista para quem o tolhe

Povo que é povo, é perigoso ou pitoresco para quem o vê
Povo que é povo, ninguém lhe diz, gratuitamente, tome
Povo que é povo, não trata ninguém por você
Povo que é povo, alimenta quem mais o come

Povo que é povo, com restos é malabarista
Povo que é povo, quando corre é por ser ladrão
Povo que é povo, é vagabundo, nunca artista
Povo que é povo, sua muito pelo seu pão

Friday, June 19, 2009

A morte é o inevitável abraço, que nos transporta para a inexistência.

Porque também somos todos Manoel de Oliveira - homenagem

Um rasto de lágrimas frias arde-me no rosto (.)
de criança envelhecida, com uma centena de anos,
apenas resta a tristeza, por saber dos dias em vão,
do sol vazio e do fim.

Soçobra melancolia, pelos entes queridos,
que se foram todos, as músicas dolorosas
e o Outono em mim.

Das copas das árvores da minha infância,
gotejam todas as folhas - flocos mágicos caem do céu -,
e eu piso-as com toda a energia
com que um dia rebolei nesse jardim só meu.

Ao longe, risinhos soltos, da minha meninice,
ecoam ainda nas margens do rio.
A foz agora fúnebre que me marulha
e eu me arrepio.
São as lestas memórias, varridas pelo vento,
que estão pinceladas na ponte da cor da sombra.
É a nostalgia das histórias, tocadas por um instrumento,
que se quebrou e já não se encontra.

Bordados do pensamento, arraiolos e filigranas,
lembram que há arte em viver e morrer.
Faz parte, esse saber, do eterno aprender
que o espírito empreende nesta viagem.

Um lídimo caminho de infinitas pessoas
e incontáveis sentimentos,
do qual nos libertamos
para não mais percorrermos esses tormentos.

Friday, June 05, 2009

Hoje fui ao Oceanário - homenagem Sophia Mello Breyner Andresen

Eis os poemas que lá li, espalhados pelas paredes, junto do grande tanque central:
O mar azul e branco e as luzidias

Pedras – O arfado espaço

Onde o que está lavado se relava

Para o rito do espanto e do começo

Onde sou a mim mesma devolvida

Em sal espuma e concha regressada

À praia inicial da minha vida.


Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim.

A tua beleza aumenta quando estamos sós.

E tão fundo intimamente a tua voz

Segue o mais secreto bailar do meu sonho

Que momentos há em que eu suponho

Seres um milagre criado só para mim.


Também gosto destes, que não vi lá:


No mar passa de onda em onda repetido

O meu nome fantástico e secreto

Que só os anjos do vento reconhecem

Quando os encontro e perco de repente


Dia do mar do meu quarto – cubo

Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam

Entre o animal e a flor como medusas.

Dia do mar no ar, dia alto

Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem

Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.


De todos os cantos do mundo

Amo com um amor mais forte e mais profundo

Aquela praia extasiada e nua

Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.


Onde mais bela crina sacudida

Ou impetuoso arfar no mar imenso

Onde tão ébrio amor em vasta praia


Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade.

Wednesday, June 03, 2009

Sem título

Gosto quando falas o silêncio, sem nada dizer, apenas proferindo olhares.

Sunday, May 03, 2009

Porque não se pôde ter outra mãe...

Eu fui daquelas crianças que nasceu de pais muito jovens e, inicialmente talvez por isso,tenha sido altamente protegida de tudo o que eram correntes de ar, humidades, frios; do sol, da terra, da água, de outros seres - humanos e animais -, enfim, tudo o que era vivo, tudo o que (se) podia mexer e (especulativamente) fazer-me mal.
Repare-se que não especifiquei que esta super-protecção fosse apenas no início da minha vida - época, precisamente, em que o sistema imunitário e tudo mais se forma em nós -; não, de facto esta insidiosa segurança à minha volta durou até que me pudesse libertar dela a ferros... e, antes, a muito fogo. Até aos 18 anos, tive de levar com os mitos estupidificantes que os meus pais, radialistas da banda sonora mais estridente da minha vida, espetavam nos meus ouvidos, subjugando-me a uma rígida construção de rapariga florzinha de estufa:
  • Nunca sair depois de tomar banho.
  • Não andar descalça porque se constipa (ou se calhar pensavam que o Diabo me ia apanhar pelos pés!).
  • Não usar "roupa boa" em casa ou para ir à escola.
  • Quando/se tens alguma dor, seja de cabeça, nas pernas ou na barriga, faz-se o sinal da cruz sobre a mesma e automaticamente passa.
  • Nunca se misturar com os miúdos que costumam brincar no parque ou quaisquer outros da rua (sabe-se lá porquê!).
  • Não dormir em casa das amigas, mesmo que elas morem no prédio ao lado.
  • Não aceitar nada de ninguém, muito menos de comer, nem das amigas.
  • Nunca ficar muito tempo na rua ou em casa de quem quer que seja; vir da escola direitinha para casa.
  • Andar com o chapéu-de-chuva e jamais apanhá-la na cabeça.
  • Nunca beber coisas geladas, ou comer gelados (sem estarmos no Verão e com muito calor), ou sequer lavar a cara de manhã com água fria  no Inverno, porque senão constipamo-nos ou ficamos com dores de garganta.
  • Quando se está com soluços, põe-se um fio de tecido na testa, ou pendurado como se a orelha fosse um cabide.
Agora que listo alguns dos mitos que me tentavam inculcar, vejo que "a rua e os seus elementos" eram um  alvo a abater! Bem, de qualquer forma, o ponto assente era recolher-me na redoma da casa, que se calhar para eles era mega-esterilizada. 
Escusado será dizer que o mínimo incumprimento de qualquer um desses "sábios conselhos", era imediatamente punido e a mais pequena tentativa de o justificar, explicar, ou (livre-nos Deus!) de retorquir, apenas aumentava a fúria com que a minha adorável progenitora me chegava ao pêlo e, provavelmente, também resultava num diversificar de utensílios (portanto, o que estivesse mais à mão), com que ela me atingiria ou (o que era talvez a sua visão das coisas) me disciplinaria.
Uma progenitora ultra-paranóica e hipocondríaca (porque se os filhos adoeciam, eram para ela - mártir incontestada - uma carga de trabalhos), que me espetou no peito grilhões do medo, e mesmo pavor, que ela sentia e, assim, cravejando-me de lapidados ferros, me condenou a uma reclusão de flor de estufa temperada pelos seus neuróticos humores.

Saturday, April 25, 2009

111

Cento e onze vezes te beijei
em várias partes do corpo,
sempre à espera do sol
das madrugadas sensuais,
e nessas romarias de beijos
vislumbrei alta a lua.

A natureza ficou ali
estendida qual mar
e a morte qual céu
as duas divas do meu mundo
a eterna presença
de ambos androceu e gineceu.

A lira tocou cento e onze vezes,
sei-o de cor porque era eu
quem a fazia soar de cada vez
que tu olhavas o céu.

Nos desígnios do tempo e da sorte,
quem saberá o verdadeiro sentido
da hora e do número míticos
que assolaram o meu ouvido?

Monday, April 13, 2009

De todos os que amei,
Nenhum tinha o teu perfume
Que me deixava a rodar
Numa vertiginosa dança

De todos os que amei
Nenhum tinha as tuas mãos
Que detêm o mundo
E a minha alma também

De todos os que amei,
Nenhum tinha os teus olhos
Que eram tão profundos
Quanto o abismo da vida

De todos os que amei,
Nenhum me preencheu
Como a tua presença
Que me fazia esquecer tudo

De todos os que amei,
Só tu me amaste
Como se a vida e o mundo
Fossem acabar a qualquer instante

De todos os que amei
Nenhum me fez viver e sonhar
Como o teu corpo no meu
Fazendo-me tua sempre

De todos os que amei,
Só por ti o meu amor maior
Pois Tempus fugit,
Manet Amor


De todos os que amei,
Nenhum me falava com o silêncio
Como tu, meu anjo negro
Que dá sentido à minha existência

De todos os que amei,
Apenas te amei a ti sem ti
Por todas estas razões
E outras que desconheço

Só o teu amor é de verdade

Sigo na rua e as pessoas passam isoladas e apressadas, num frenesim desconcertante. Por todo o lado há rebanhos de carros pelas veias apertadas da cidade. Só os meus passos são lentos e descontraídos, em direcção ao rio, ao Tejo claro debaixo da luz ofuscante do céu azul brilhante.
Quando chego perto do cais, mais uma vez vejo pessoas a correrem como se fugissem de algo, todas a sair desordenadamente da barriga do ferry.
Sento-me à beira-rio, como tantas vezes já fiz, em conversa muda com o rio, com a vida e com a morte nas profundezas. Quando sinto a mão cálida do sol a tocar-me o rosto e a embalar-me as memórias mais queridas, penso em como gostaria de partilhar mais aquele momento contigo.
Em redor, tudo me parece turvo e feito de papel que esvoaça com a brisa de fim de tarde, que o rio sopra à cidade.
Sinto a tua falta e só o teu amor me parece ser de verdade, pois foi ele que me deu sopro de vida.
Depois de ver o sol que estava alto, descer languidamente no horizonte de prédios e não no rio, para minha grande frustração, levantei-me e de novo me pus a andar.
Quando lutava por serpentear nas ruas e não levar muitos encontrões dos transeuntes, desequilibro-me e em menos de um piscar de olhos, um carro abalroa-me e fico de corpo estirado, inerte e completamente dorido no meio da faixa de rodagem.
Nesses momentos que seriam os derradeiros, procuro ver-te, o meu amor de verdade que já não via há muitos anos e de quem tenho tantas saudades. Nos últimos segundos senti um abraçar que era o teu e num esforço de abrir os olhos vi o anjo negro que me viera buscar.

Sunday, April 12, 2009

06-05-2006

Os meus sonhos estão desfeitos em pedaços de carvão
Que se desmancham em pó pelo negro chão
E a minha vida é um longo processo
Em que sofrer não é um retrocesso.

Houve dias em que o céu foi mais azul
E a minha mão mergulhava no teu Ser
Como se fosses água de mar revoltado
Que eu apaziguava com o meu olhar.

Não sei se te amei o suficiente para te querer
Nem mesmo sei quem foi que te perdeu
Apenas sinto uma febre nas entranhas
Uma vontade de evaporar numa explosão.

Abraço a dor que a madrugada me traz
Todos os dias com a coragem do perdão
De uma pessoa que não sei quem é
Nem eu mesma sei porquê.

Houve dias em que o sol foi morno
Dias perfeitos como dizia o cantor
Mas a tua cobardia escurece agora
Todas as memórias que tenho deles.

Ainda assim te posso dizer
Que não há ninguém até hoje
Que me tenha preenchido a alma
Como tu o fizeste em tempos.

Monday, April 06, 2009


Este lugar é velho:
No ar vagueiam lembranças,
Cheiros e aromas de recordação
Na mística melodia do vento,
Transportando consigo poemas
Que agora me parecem áridos,
Vazios de terem estado cheios;
Duras são as fragrâncias
Relembradas pelo poeta;
Choro, outrora riso incurável,
Cá dentro já tem alento.
Só me esqueci de o esconder,
Tal como com as lembranças,
As quais me esqueci de esquecer.

Este lugar é velho:
Intrépidas estão gotas de orvalho,
Como quem espera um florescer
No tom do silêncio conformado,
As breves ruínas do meu parecer
Avistam-se ao olhar pelo horizonte
Naufragando perdido no tempo,
Infinito segregando murmúrios
De mistério e tesouro que é,
Cego pela distância que aflige
A herdeira da luz e beleza
Que resplandecem apesar de tudo;
O paraíso onde está aquele lugar
Ficou mudo de memórias obsoletas.

Pássaros que falam
De como perderam a sua aptidão
De voar livremente e tão bem
Contam que já nada têm
Pois quebraram-se as suas asas
Rasgadas ao maior descuido
Sem nada restar sequer.

Nuvens que choram
De tanta mágoa, secas de Razão
De correr tão apressadas além
Contam que já nada vêem
Pois taparam-se, com o sol, rasas
Ficadas ao sabor do ruído
Intermitente quando se quer.

Estrelas que calam
O silêncio mudo de coacção
Também de brilhar sem querer
Contam que já nada festejem
Pelas suas desgraças eu cuido
Ouvindo os seus lamentos de mulher.

Palavras que chagam
A pegada a caminho do coração
Lembranças persistentes retém
Contam que já nada têm
As letras não o têm possuído
Nem nunca outra coisa qualquer.

Monday, March 23, 2009

23.03.09

Pedaços de vida
transmutam-se.

Nunca nada é igual.

Linhas de todas as formas
riscam-nos o corpo
numa contínua grafia
dispersa em rasgos de sombra.

Se tivesses mais tempo
nada mudava
porque tu desperdiçáva-lo.

Nada esperes
que em ti já não exista.

Cresce, aumenta-te, magnifica-te,
num só minuto,

Vive tudo o que tens.

Saturday, March 14, 2009

A HORA SABE A TER SIDO

Ah! Como esta hora é velha...
O tic-tac do cansado relógio
Faz pairar memórias no ar...
O teu olhar, praga sem sentido,
Ainda assombra os meus risos;
Cada gesto teu, abismo luzidio,
Aparece-me em imagens langoradas...
Bate uma saudade breve mas fatal
Recortando o sol que cai nas ruínas
No horizonte do silêncio raiado.
Os meus desejos balouçam na brisa,
Há alguém que me fita no nevoeiro,
São sonhos lúcidos e derradeiros
Nesta hora absurda e transviada.
O teu silêncio fechado angustia,
Magoa o meu crepúsculo fundido
Acelerando-o na minha alma tardia...
Se fôssemos nós duas figuras ledas
Num vitral de um mundo longínquo
Trespassado pelo Ocaso vazio, ténue,
Todos os segundos brotando límpido!
No meu céu soturno e pesado
Nunca houve uma única estrela...
Os reflexos no lago espelhado
Estão distorcidos com o vibrar
Do silêncio tenebroso e críptico;
Até mesmo as sombras carregadas
Estão mais tristes do que nunca;
Deslocam-se sôfregas as núvens;
As aves pecam ao cruzar o horizonte
E a cada ribombar de pétalas alvas
Eu recordo-me da tua voz maviosa
Misturada com os risos da fonte.
Nesta Hora enrugada jaz serenidade;
Ela, feita de mim, dos seus lamentos,
Talhada em safira de cristalino azul
É baça na sua essência interior.
Não sei o porquê disto, nem de tudo;
Eu sou uma doida que estranha o mundo.

Solidão retardada

A solidão sempre esteve lá
Só me dei conta quando parei
De me entreter sem parar
Fez-me ouvir vozes e gritos
Sons que nunca notei
Até este silêncio de enlouquecer
Ensurdecer-me com estes sons
Agora habituei-me com o correr
Dos ecos que assolam a alma
De quem permanece assim só
Sem por vezes sequer notar.

Andei sempre por aí, aos pulos
Às gargalhadas sonoras
Correndo para fugir ao sério
Escapando às vezes à reflexão
Aos fantasmas e horrores
Da minha lembrança tardia
Mas o vazio oco da Solidão
Fez-se sentir sempre mais
E nunca deixou o meu corpo
Repousou na minha mente
Insistindo em estar disfarçado.
Estrelas líquidas vibram
Com o agitar dos remos
No soturno breu reluzente
Gotejam-se risos soltos
Que ecoam ao imenso luar
Avistam-se duas silhuetas lânguidas
Esguias, balouçam navegando
Em suspiros mudos sem saber
Há por momentos um silêncio
Tão críptico e confortador
Que evoca a paz na alma
De ambas puras personagens
Que agora à deriva estão
Sem abrigo, sem alento
Apenas têm seus próprios braços
Que açambarcam um ao outro
Quando há chuva de sangue
Escorrendo em formas exangues
Cortando o riso desprotegido
Rasgando os rostos melancólicos
Não há nada mais que beleza
De dois cisnes alvos de pureza...

Tempestuoso Céu | Tempestuosas lembranças

Sinto as nuvens a chorar
As suas lágrimas incidem fortes
Queimando o rosto rasgado
Cheiro a Terra e a sua Morte
Cortando o silêncio pasmado.


Quando olho para o céu revolto
Com veios rubros no breu reluzente
Lembro-me de ti e do Mar
Imagino a sua pura rebeldia
Nesta noite de tempestade aflita.

Quando caí de joelhos para a Lua
Derramando gotas incessantemente
Lembrei-me de ti e das estrelas
Tu foste aquela que brilhou continuamente
És luz eterna que me seca os lamentos.

Quando rolei feliz e despreocupada
Dando gargalhadas sonoras e desgarradas
Pela verdura colorida e solta do monte
Lembrei-me de ti e do Sol intenso
Que nos iluminou numa tarde generosa.

Quando penetrou cá dentro a felicidade
Tão repentina e explosivamente
Que parecia rebentar por não ter cá espaço
Lembrei-me de ti e de uma árvore
Que nos aconchegou na nossa Alegria.

Ninguém há-de ler isto

Isto de se escrever poemas que ninguém há-de ler ou ouvir é apenas um exercício gramatical ou algo do género.

É o quase que nunca chega.

Tal como eu nunca passarei de um medíocre poeta ou aspirante a artista da Arte maior, da Poesia e do Amor.

A quem é que eu quero ludibriar? ...
Ninguém há-de ler isto.

Friday, March 13, 2009

Pearl Jam - IMMORTALITY

Vacate is the word...vengeance has no place so near to her
Cannot find the comfort in this world
Artificial tear...vessel stabbed...next up, volunteers
Vulnerable, wisdom can't adhere...

A truant finds home...and I wish to hold on...
But there's a trapdoor in the sun...immortality...

As privileged as a whore...victims in demand for public show
Swept out through the cracks beneath the door
Holier than thou, how?
Surrendered...executed anyhow
Scrawl dissolved, cigar box on the floor...

A truant finds home...and I wish to hold on, too...
But saw the trapdoor in the sun...

Immortality...
I cannot stop the thought...I'm running in the dark...
Coming up a which way sign...all good truants must decide...
Oh, stripped and sold, mom...auctioned forearm...
And whiskers in the sink...
Truants move on...cannot stay long
Some die just to live...
Ohh...

(song said to be written for Kurt Cobain, after his suicide)

Wednesday, March 04, 2009

"Poeta (do Silêncio) Para Sempre"

Tenho a Poesia para não falecer da Verdade 
Minhas palavras vêm como suspiros da alma 
Minhas letras estão carregadas de ódio 
E outras vezes cheias de revolta 
Embora, sempre, sejam muito sinceras 
Tenho andado à deriva em descobertas 
Eu nunca procuro nada, eu descubro. 
O meu silêncio é um amigo que jamais trai 
E aprendi a sua arte com vários desgostos; 
Há alguém com quem é desnecessário falar 
E sou feliz por isso, porque entendo-o. 
O meu silêncio é corrosivo para os demais 
E encontro-me com ele e com a noite 
Quando há angústia na solidão, para chorar. 
No silêncio, em que vejo a Eternidade, 
Se realizou e construiu tudo de grande. 
Quando escrevo estou compenetrada, 
Tanto, que nada quebra o meu silêncio 
Senão o ribombar de pétalas a cair 
De uma rosa negra no meu Mundo. 
Sinto-me várias vezes como se fosse 
Outras personalidades ou mesmo coisas. 
Por momentos sou corvo azul e ele, 
Também é, aquele com quem não falo, 
Pois, não é necessário para entendermo-nos. 
Por vezes sou rosa negra, misteriosa com espinhos, 
Que tão veemente guarda um segredo 
Que permanecerá sempre uma incógnita; 
Mas determinadamente sinto-me Lua, 
Que os nossos olhos só conseguem ver no céu
A parte a que o Sol dá a sua luz.

Wednesday, February 04, 2009

poema que se sente mais vezes do que gostava:

Abandonaram-me...
É verdade...
Não acreditas?
Pois é, eu ainda estou pior;
Sou eu quem não quer acreditar.
Foi mesmo essa a causa:
Acreditei que seria impossível.,
Agora permaneço aqui de dia;
Gelado e ébrio o pensamento.
Imóvel; frustração e ironia.
De noite, esqueço-me ali :
Naquele canto só, ao relento.
Frio ou mesmo calor?
São coisas às quais a sensibilidade
também desertou sem pudor,
E já eu, nem sinto saudade.
Sim, os meus sentimentos também!
Fecharam-me as portas do amor
Já há muito tempo e nem
Soube sequer o que isso era.
Querias o quê?!
Sempre frágil, enfraquecera
A cada virar de costas.
Mas porquê, perguntas porquê?
Se eu soubesse, isto não acontecia.
Tal como tu não gostas
Eu odiava o que entedecia;
Detestava e mesmo fugia
Do entardecer chegando veloz,
Ultrapassando tão atroz
A minha alma aterrorizada,
Abandonada e sem voz,
Enquanto o mundo vibrava
De furor e vida, era ledo.
Sou triste dizes tu,
Dramaticamente meto dó.
Pois eu digo-te agora,
Que de drama nada tem,
Ficar abandonada e só...
Não gostas, vai-te! Fora!
Não quero que tenhas pena também,
Vai-te, que a minha voz...
Que um dia foi fala maviosa,
Está agora a morrer angustiada
De tanta mágoa e desespero.
Deixa-me adormecer em paz
No pouco sono que ainda jaz.

Friday, January 23, 2009

"ALMA E VOZ DE ÁRVORE"


"Descascaram-me, forte e bruta;
Fiquei nua, sem metade de mim
Paguei pelo desejo de muita gente
Usurparam-me esses filhos da puta
Não foi só a mim que deixaram assim
Tal como eu, aquela pobre inocente
Ficou devastada e todos os seus elementos
Choram agora folhas sem ser Outono
Gotejam a sua copa desesperadas
Por terem ofendido seus sentimentos
E não deixarem tê-las o seu sono
Nem o desejo de dormir descansadas
Extraem de mim sem pedir licença
A seiva que corre nas minhas veias
Que me dá cor e vivacidade
Perfumes e vida intensa
Que caíram em movediças areias
Pelas mãos do Homem da cidade.
Estamos, com os nossos gritos isoladas
Pedindo ajuda sem esperança sequer
Actos vãos que assolam o espírito
Enquanto algumas são carbonizadas
Outras, com fragilidade de mulher
Esperam pela sua vez conformadas."

"Descrição de um entardecer"

Cai a tarde num Vazio
Silêncio eterno fingido,
Grito mudo e aflito
Das folhas e do vento.
A tarde cai límpida;
A noite depressa quer chegar,
Na magia do entardecer,
Na explosão das cores do Ocaso;
Rubras e fogosas extinguem-se
Com a chegada do entardecer,
Que cai límpido, vem devagar
Envolto em leves aromas;
Fragrâncias naturais de riso,
Luzes num fim de tarde
Que ao longe vem vindo.
A larga Paz do Crepúsculo
Traz uma quietação dulcíssima
E vagamente melancólica entra
A adormecer na Natureza breve,
A tarde ía descendo lenta
Cada vez mais límpida;
Na luz indecisa do Crepúsculo
Acentuam-se sombras dos Montes,
Gigantescas, imobilizadas as arestas.
Na decoração ilusionista de Poente,
Está na vasta cúpula do Céu
O constrangedor silêncio dominante
E o sinistro espasmo amedrontador
Que evocam temores inconscientes.

s/título


Um anjo fiel...
No mar infinito está
Com uma doce paixão
Que lhe faz cair
Para sempre preso está
E não se solta facilmente
Só mesmo com um grito
Que fere a dor na alma.

Uma flor jovial...
De amarga beldade
É pecaminoso o seu acto
Que mostra fragilidade
A fraca e submissa
Liberdade descontente
De quem ondula ao vento
Sem a rigidez real.

Um olhar penetrante...
É como se pudesse
Ver tudo o que não sei
Através daquilo que sinto
Ultrapassando aquilo que sou
Sem pedir sequer licença
E devastando tudo por dentro
À passagem consequentemente.

Um grito profundo...
De tanta intensidade
Que chega a doer na alma
E, já faz adiantar a chegada
Do fim do dia entardecido
Com o puro breu da noite
Na escuridão da voz
E no riso esgotante.

Um pôr-do-sol rubro...
Cinzento no mais íntimo
Não revela porque dói
Dor, que mata o coração
Sem deixar lembranças
Recordações, só frustração
Que não larga a sombra
Do personagem vivo-morto.

Friday, January 09, 2009

8/05/97

Volta!
Pelo tempo que perdi;
Contigo não se perde tempo.
Solta!
Deixa-me, que eu sorri;
Aprendi com todo momento.

Deixa!
Já nada vale a pena,
Pois tudo vem e passa.
Queixa!
Diz que lembraste da cena,
E que a lembrança escassa.

Vive!
Cá dentro de mim;
Como a chama me incendeia...
Tive!
E quero nunca acabar assim,
Com a memória que o vento plageia.

Morre!
Como amor, adormeceu,
Cá dentro profundo e sonolento.
Corre!
Para onde te quero meu...
Veloz, mas frágil, sempre atento.

Faz!
O que quiseres, na fúria do mar
Esquecer de tudo e de todos.
Jaz!
Lágrima morta, dúbia de afogar;
Contigo quero ficar sem engodos.

Roga!
Pelos céus e pela terra
Que haja Paz e não Guerra.
Afoga!
Mil desejos embriagados,
Deixando-os ir desenfreados.

Mora!
Aqui onde sempre estiveste,
No lugar onde a vontade pôs.
Chora!
Pelas tuas regras que não cumpriste;
Deixa o disfarce com pó-de-arroz.

Seja!
Como o Demo me quiser levar,
É caótica a final despedida.
Beija!
Que a despedida está a acabar,
Em breve é recordação perdida.

Gasta!
Tudo o que podes e te deram,
Por esses mesmos factos.
Afasta!
Logo de uma vez o que fizeram,
Tudo passa e também esses actos.

Hoje!
Sempre será o amanhã,
Arrependido de tê-lo ontem.
Foge!
Sumir, evaporar, desaparecer;
Simplesmente acabar, morrer!

8/05/97

Serpente trespassa
Tudo o que deixaste
Por desleixo e desprezo
Deixa-me ser da raça
Com que te revestiste
E livraste-te desse peso.
Desperta o que em ti
Veemente se encerra
Traz a verdade
Denunciando a mentira
O logro de um abraço
A nocturna flor
Floresce em manhã nua
Inóspita de pecado
Suavemente tão pura
Que mata o regaço
Com que te embalas
No teu céu radiante.
Solta-se o som rude
Voraz, fere cá dentro
Agonizando a negritude
Da alma pensante
Quando penso em ti
Rompante se torna
Toda a fúria de sobreviver
Para te ver de novo.
Fujo da tristeza das lembranças
Como tento não me lembrar!
Chorar pela tua falta
Que me faz morrer
A cada minuto em ti
Na janela do meu tempo
Na distância da visão
Que o horizonte se alcança
Obstáculos, opositores frios
Inimigos de tudo que é belo.

"Por ti"

Por Ti eu respiro;
Lágrimas dum Oceano chorei,
Foram-se todas de uma só vez
Profundamente num suspiro.
No teu peito me deitei,
Em teu palpitar outra vez.
Por Ti, nas estrelas tive alento,
Fui repousar no azul do Céu,
Acordar no arco íris madrugador.
Foi nas águas claras do pensamento
Coberto pelo mais fino véu,
Que o coração sentiu a Dor.
Por Ti, movi os pássaros exangues;
Não deixei a noite escura vir;
Lutei contra o crepúsculo lindo
De um entardecer mórbido.
O Sol pus a sorrir
Mesmo com a noite vindo.
Por Ti, com toda a força gritei;
Do meu mais profundo ser
Saiu esse desabafo breve.
Quando de Ti me lembrei,
A lembrança fez-me sofrer
De saudades vindas ao leve.
Por Ti, choram árvores no Outono,
Folhas que caem levadas,
De todas as cores cingidas,
Despertadas do seu sono
Pelo vento só, agarradas.
Voam sem destino, perdidas.
Por Ti, moveram-se os céus,
Moveu-se a Terra,
Quebrou o silêncio e a Razão;
São eles os réus,
Provocaram essa Guerra.

4/1/97

Escreve torto no meu peito
Tinta verde dos teus olhos
Ondulam ao sabor do vento
Vigorosos caracóis do teu cabelo
Nesse teu rio de paixão
Deixa-me deitar em seu leito
Paixões tive aos molhos
Mas tu não me sais do pensamento
Com cada batida do coração
Dão-se 1001 fantasias
De magia saem direito
Para o mais fundo da alma
Irrompem num marchar lento
Com o amanhecer dos dias
Nascem novas esperanças
De quem vive uma vida calma
No entanto com a Razão ao relento
Brilham de novo o Sol e as Estrelas
Na tua pele e no teu olhar
Translúcidas ficam gotas de orvalho
Manhã acesa sem o teu lume
Queria poder sentir o teu abraçar
Satisfazer o meu sumarento desejo
Vou sempre amar-te sem queixumes
Esperar pelo teu amor sereno de mar
De tanto o fazer já me aleijo
Alcanço a luz infinita da Lua
Só nos meus sonhos de céu
Jaz uma lágrima morta
Que a mágoa é só tua
Coberta por um fino véu.

"CULPADO DE TRISTEZA(S)"

Eu culpo-te pelo céu sem estrelas,
Que já não me ilumina a alma;
Agora que ficaram lembranças
Apenas e tão malditas são.
Culpo-te pela fúria do mar
Que devastou-me a euforia,
Agora que as folhas só caem
Mortas, levadas por melancolia.
Culpo-te pelos dias sem sol,
Que já não aquecem as tardes,
Agora que o frio penetra fundo
No mais íntimo do nosso Ser.
Culpo-te pelo suspiro profundo
Que o lobo uivou sem querer
Agora que os gritos só se dão
Quando cá dentro dói a valer.

"Dá-me a tua mão."

Dá-me a tua mão;
Quero levar-te comigo
Para onde nunca estive;
Encher-te de paixão,
Passear contigo
Nas memórias que retive.
Dá-me a tua mão,
Deixa-me tocar no fundo
Desse infinito azul,
Um pedaço de coração,
Do meu amor profundo,
Da minha alma a sul.
Dá-me a tua mão,
Flor do eterno desejo
Em pó foi acabar;
E os céus desabarão
Se deixar-me num beijo
Morrer num teu abraçar.

Wednesday, January 07, 2009

O Medo: pequeno e graúdo.

Quando somos pequenos não temos medo de nada senão de "bichos papões" e de perder, ou de deixarmos de ver as pessoas que gostamos.

Quando crescemos temos mais medo de tudo, mas deixamos de ter medo dos "bichos papões".

O receio maior que persiste de igual forma ao longo da vida, é o de perdermos as pessoas que amamos. Logo, poderíamos concluir que essa é a constante nas nossas vidas, o que se mantém como prioridade: as pessoas que amamos.

Ao contrário do status que envolve a respectiva riqueza, bens, educação, entre outros de natureza material ou convencionada pela sociedade, ao qual atribuímos grande importância quando crescemos, consequentemente o créscimo de receio - o de não ser alguém na sociedade onde estamos inseridos -, o amor que sentimos pelos outros e a importância que eles têm para nós é algo que sentimos ao longo da nossa existência como nosso imperativo oxigénio.

É claro que a consciência que temos das coisas é um factor crítico na mudança de importância e cariz dos nossos medos, mas não será a consciência algo que nós próprios moldamos?