Wednesday, December 26, 2018

Da morte da poesia

Faltam-me as metáforas, as personalizações, as melopeias,
Só sobraram as elipses e os sempre presentes pleonasmos.
Já não há ribombares de pétalas nem aliterações,
nem muito menos hipérbatos ou repetições.

Nunca mais vi um pôr-do-sol,
Sequer tenho escrito sonetos
Assim como não tenho
carícias ternurentas
ou abraços desenpoeirados.

A janela está baça,
esqueci-me da última vez que a olhei
e a luz atravessava a vidraça
aquecendo-me o coração.

São mil poemas e versos que se foram
verdades cinzentas de toda a incerteza
letras e palavras que se escapuliram
líquidas passando a gasosas
evaporando-se na escuridão.

Memento mori

A forma mais absoluta de realmente se viver é saber e ter consciência de que estamos prestes a morrer a qualquer instante. 

Wednesday, December 19, 2018

Ela saiu para a noite com as pinturas de guerra
Viajou pelas luzes das ruas incandescentes
Quando entrou num bar e se sentou
Aquele era sempre o seu lugar
Ele chegou depois, já bem tarde.

As pinturas de guerra transformaram-se em doçura
que derretia ao aumentar entre os dois a ternura

Saboreei a história a acontecer,
seguindo-a como quem caça uma presa,
procurando tocar o que não era de todo meu.

Ela e ele eram apenas duas personagens
que no meu sonho eu fui encontrar
e que por instantes
deram-me toda a paixão de um olhar.

Tuesday, November 27, 2018

Se antes tive poalha nas digitais,
hoje percebo que é da matéria do meu coração,
da substância desfeita, que nem liofilizada é creio,
negra como cinzas do carvão resultante da lenta mas irremediável combustão.

Nunca fui de me curvar perante a verborreia vácua das narrativas forçadas,
tal como sempre reneguei toda a autoridade que se quis impor,
não fiz senão questionar tudo porque tudo é inexistente enquanto absoluto,
provavelmente até o amor que sempre tive como maior do que tudo.

E se parece que em todas as matérias me dei por remediada,
conformada jamais estive com a sua existência que causa dor,
apenas foi tudo porque deixada pelo meio
já que a destruição foi maior e demais.

Thursday, November 22, 2018

Zinha

Os anos passaram, as crianças cresceram e perderam o seu fulgor, já não são quem eram, mudaram tanto que já ninguém as lembra como ainda iguais.

Mas há uma, no entanto, que eu reconheço a candura dos lisos cabelos negros e doces sorrisos que a fazem tão ingénua como sempre foi. É, por isso, a mais bela das crianças que já não o são, é singela criatura dos vento e do prado verdejante, da lagoa e do jardim, é todo o campo de flores alvas que nunca foram desfolhadas para um mal-me-quer.

Ela é o milagre do trevo de quatro folhas numa inteira e imensa extensão de trevos. E eu ainda sorrio quando penso como ela era e como ela é.

Thursday, November 08, 2018

E no meio de tantos invernos e depois de todas as tempestades que sempre me visitam, aprendi que existe um verão sempre enterrado dentro de mim. 

Thursday, October 25, 2018

Fazes-me falta como sangue nas veias, que de mim se evapora de cada vez que te vais embora.
Meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã. Meu amor mais amado. Meu afã.

"Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim."


Sunday, June 24, 2018

Quem dera que entre mim e eu reinasse um silêncio impoluto, onde apenas água estivesse.

Thursday, June 07, 2018

Poesia

Imagino que ainda me esperas nas madrugadas que passamos sem dormir, ao som das tuas listas de músicas, a banda sonora das nossas vidas. Dependurados na janela que só se abre quando estamos juntos, a ver mil andorinhas bailar num frenesim único, espectáculo que apenas reservam para nós num crescente até ao romper da aurora, e o nosso sorrir diz que abdicaríamos do amanhã só para ter aquele momento. Não há nada mais precioso então. E como sabemos que tudo se acaba só queremos saber que somos nós, puros e apenas com a maior verdade, de que houve um momento que se pode imaginar que valeu para uma vida inteira.

Saturday, June 02, 2018

Saudade, gastei-te o nome,
ficaste gravada na minha mente
como um sonho recorrente
e agora o teu rosto é lua cheia
que brilha e encandeia os meus olhos
em todos os dias da minha vida.

Friday, May 18, 2018

Soneto (hendecassilábico)

Veio para mim como uma onda,
com força de natureza pujante,
lembrar-me do quanto ele faz falta,
nos dias quentes meu amado amante.

Toca esses lábios sedentos de mar
nas brisas mornas que acariciam
e na luz que o corpo veio banhar,
já quando as gaivotas apareciam.

Um crepúsculo por demais célere
Os tons laranja derramados loucos
Com tudo a nu bronzeado ténue

E nuvem de cheiro a maresia
Onde apenas os pés me enterre
Mergulho numa calidez aos poucos.
Para chegar a ti tenho de viajar muito,
não pelos quase 400 kms que nos separam,
mas pelos deslizantes terrenos do teu corpo,
pelas notas marcantes do teu riso,
pelos prados verdejantes em que nos deitámos,
e depois as léguas do deserto da árida indiferença.

Thursday, May 10, 2018

Fadista

Ouvi-te as lágrimas na garganta,
que caíam como as folhas outonais,
choravas baixinho, fadista minha,
abençoavas-me com os teus ais,
mas eu sabia que nada te espanta
e que ignoravas a admiração que te tinha,
do teu público querias mais.

De mansinho, veio pois o Inverno
e com ele se enregelou o meu coração
Hoje procuras o meu beijo terno,
mas vazio já não consigo dar-te a mão.


[10.10.2017]

Canção ... "à Chico Buarque"    3/4-09-2017  

Carla ficou sem o seu Carlos
e virou um pote de mágoa
quando tantos eram os bons momentos raros
e a desatenção era a gota de água.
Ela vive os dias na casa atarefada
com a banda sonora do rádio a pilhas
Não tem tempo para chorar a dor
Nem se aperceber que foi abandonada
Sonha ainda em viajar e ver maravilhas
Mas tem de aprender a viver sem amor.

Saturday, May 05, 2018

Não sou tela em branco
Não sou página vazia
Sou antes buraco negro que não suga
Apenas contém todas as cores em si
Denso e repleto de substância 
Na confusão dos universos.

Tuesday, April 24, 2018

Insónia, essa ninfa de olhos esbugalhados, gigantes e arregalados, que me fita e me congela num tempo interminável como quem viaja num comboio imparável.
Quem está mais dentro de nós: quem ocupa o nosso coração, ou quem habita a nossa alma? Amar com o coração, ou amar com a alma; qual o ofício mais inteiro?

03.01.2018
Estava pronto para te amar até ao fim das nossas vidas, 
agora serás sempre a lágrima que ficou pendente na minha alma 
e o perfume que está sempre no ar 
e o vazio que permanece no meu peito
e que nunca terá fim.

[Lover, You Should've Come Over - Jeff Buckley]

Thursday, April 19, 2018

Viver uma vida apenas contemplando a Vida: 
a rugosidade do passeio que trilhas, o intermitente brilho nas pedras do caminho, a extensão das planícies e planaltos a que os animais retornam passadas décadas, o vento que transporta a vida e traz também notícias do outro lado, o mundo que ninguém vê*, só tu e mais ninguém, vislumbrando o céu imenso que ainda é minúsculo para tanto mar dentro de ti, e a falta de estrelas porque a luz da cidade as ofusca, e a falta de silêncio porque o barulho apodrecido da sociedade impera, não deixa escutar a vida que poderia ter sido, mil milhões de vidas que foram, toda a mortandade contida em todos os aflitivos chilreios incessantes de madrugada em madrugada, de despertar em despertar, raiando a atmosfera nebulosa de todos os que pariram a vida num só mundo. 

Eu não sei viver. 



*as cores que não existem

Friday, April 13, 2018

Afastar o verbo da palavra, assim como os dedos do coração; mover o vento com as mãos e percorrer a estrada.
Com garbo vestiste o lenço e seguiste em direcção às arribas. O seio da dor e o peito esburacado como as rochas erodidas de camadas de sentir, não fazem jus ao vazio. E tudo o que sempre quiseste de mundano era pertencer aos que te quisessem escolher a ti como família, para te protegerem e amarem neste mundo de tão demasiada fealdade.

Saturday, February 10, 2018

Capital de Dor

O peito humano, essa capital de dor no país de um corpo finito,
E o capital de dor que comporto nas fronteiras amassadas do coração,
É todo o meu ser espraiado e preso sabendo que não tem solução.
Sou eu repartida por vidros do espelho de cada pessoa: o corpo que faz amor como as ondas e acaba na rebentação.
Dos seres que são demasiado belos para este mundo, não reza a história.
A indiferença é o pão que alimenta a solidão.