Thursday, January 30, 2014

Helena (Len Inha)

Ela protege-se do desamor vestindo cores garridas... e baila ao sabor das marés e do vento, com a lua como acompanhante de dança sempre a brilhar no palco-chão de relva.

Helena não tem necessidade de ser deusa nem adorada ou ser solicitada por todos, mas ela é, porque ela irradia como o sol uma honestidade e autenticidade inatas, raras qualidades humanas.

Os anos passam, mas Helena não se detém na poeira do tempo e de raízes fortes ela permanece florescida e florescente.


Sunday, January 26, 2014

Para quem está longe mas nunca está.

Quando se ama verdadeiramente,
por mais que a outra pessoa esteja do outro lado do Mundo,
ela está sempre colada à tua pele
e sentes o seu respirar mais intimamente
do que a brisa que te sopra gentilmente no rosto.

Ela é o invólucro do teu coração;
contém-nos e fá-lo existir.

Sem título

Nunca o vira com tamanhos olhos de ver. Talvez eu tenha chegado à idade e um certo acumular de experiência, que me permitiram enxergar como as coisas eram além do visível, do imediato, do que todos os outros em redor, em ambiente de festa, viam.

Ele pegou na bebé, como tinha pegado em tantos outros e fez as mesmas brincadeiras de sempre que resultavam em gargalhadas sonoras das crianças e em espanto de quem via como ele tinha tanto jeito com elas. No entanto, desta vez percebi que ao pegá-la e ao brincar com ela, ele tentava à força afastar todas as coisas más que lhe tinham acontecido; esperava - com a esperança de quem está há muito no deserto e precisa de encontrar água - que todas as memórias das suas dores e das suas mágoas se dissolvessem com a força do riso.

Eu, por outro lado, nunca consegui não ver que os bebés vêm para um mundo pejado de intolerância e massacre e que ninguém escapa ao sofrimento, e por isso olhava-os com a pena devida e merecida que lhes pertencia por serem, então, inocentes.

Quando se tem noção dos absurdos que existem ao longo da vida das pessoas, entende-se que não havendo qualquer sentido para todos esses aspectos não há grande coisa que se possa fazer. O próprio acto de se pegar num bebé torna-se indiferente para a engrenagem das coisas e não há que haver mais tristezas ou alegrias, pois ora tudo é, ora tudo não é e nós vivemos no meio disso sem haver norte possível.

Wednesday, January 15, 2014

A redundância do final do tempo

A vontade azul que ninguém consegue mover
cristalizou-se em cume de glaciar
que ninguém consegue alcançar.

A vida de todos eles, envelhecidos,
materializou-se em sonhos perdidos
e deixou-se ficar em tempos idos
a que não mais se pode regressar.

Desejam-se promessas, esperanças, gargalhadas,
ao invés das lembranças desgarradas,
remorsos e arrependimentos
do que também não há-de mais chegar.

A vida já é breve
e o bater cansado do coração
anuncia-se leve
pronto para largar a mão.

Monday, January 13, 2014

Quando aqui não estás, de Al Berto

Quando aqui não estás 
o que nos rodeou põe-se a morrer 
a janela que abre para o mar 
continua fechada só nos sonhos 
me ergo 
abro-a 
deixo a frescura e a força da manhã 
escorrem pelos dedos prisioneiros 
da tristeza 
acordo 
para a cegante claridade das ondas 
um rosto desenvolve-se nítido 
além 
rasando o sal da imensa ausência 
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador

Friday, January 10, 2014

Estás bêbado quando em vez de passares na prova do balão passas na prova de esclerótica múltipla: vês a dobrar, aos ziguezagues, em forma de túnel e tudo a andar à roda. 
Saudade é um coração coxo,
cujo rosto não consegue mais sorrir.

E Liberdade é peso morto,
que já ninguém carrega.

E Solidão é corpo sem mosto,
que se enterra no chão.

Wednesday, January 08, 2014

Da persistente presença da impossível Saudade

Quando se tem saudade de alguém,
essa pessoa está sempre presente na distância:
ela é adorada erva-daninha no pensamento
e uma lapa impossível de descolar do coração.

Os nossos braços nunca esfriam completamente
e o nosso peito, apesar de esburacado,
está sempre morno,
do misto que é perder e reter ao mesmo tempo.

E, como que em banho-maria,
assim se mantém o nosso sentimento cálido,
que nunca permitimos que ferva para não derramar
nem tanto apagamos o lume para ele não esfriar.

Porque é que as pessoas são tão "voyeuristas"?

Será que é porque as suas vidas são completamente chatas e por isso agarram-se às vidas dos outros, como espectadores de telenovelas, como tantas vezes se supõe? Ou, por outro lado, as suas vidas são tão más que fazem das vidas dos outros um escape, talvez numa sede de exaltação e do espectáculo de entretenimento?

Era de se pensar que por observação aprendessem algo, mas também não me parece que fiquem atentas às vidas alheias com esse objectivo e nem sequer retirando esse benefício.

Quero pensar que, por mais que o ser humano tenha a sua natureza pérfida, não fique a vigiar a vida do vizinho apenas para se regozijar com as eventuais desgraças para se compensar pensando que a "erva no jardim do vizinho" já não é tão verde quanto a sua. Embora, de facto, veja e oiça constantemente as pessoas reagirem perante a desgraça alheia imediatamente com uma comparação do género "já viste, ao menos nós estamos melhor" ou "antes eles do que nós" - esta última irrita-me particularmente. (E é provável que começarei a dizê-la, caso tenha oportunidade, quando me vierem "fofocar" boas notícias de outros. "Não-sei-quem ganhou o Euromilhões!" e eu direi: "Antes eles do que nós!", a ver como é a reacção obtida. Na verdade sempre que me vinham contar algo bom ou normal sobre alguém sempre dizia "olha, parabéns para eles", de modo que não será muito diferente.)

No caso das "vidas boas" que por exemplo muitas celebridades espelham na Imprensa e as pessoas consomem avidamente, devo ainda questionar: além da inveja, ou dos que ainda mais criticam, será apenas o pobre "zé povinho" a perpetuar aquilo que já era prática nas monarquias da Idade Média de acompanhar ao máximo as "cortes reais" para as imitar no que podem, aspirando (sonhando, claro) a uma elevação social e a uma melhoria de vida? E até que ponto isso funciona como motivação para que essa dita camada de posses reduzidas tente - por que meios, depois se verá - alcançar um status superior?

É claro que também os há doutrinadores, sejam católicos ou não, que têm a mania que podem intervir a toda a hora, assim que testemunham algum acontecimento na vida de outrem, para despejar pérolas de sabedoria em cima de quem não as pediu, muitas vezes apenas porque já estão habituados a fazê-lo, pois tanta é a frequência com que o fazem, e sempre pensam que estão a ajudar (não vá, como bónus, isso resultar num lugarzinho no céu, ou ainda antes numa redenção terrena).

Seja por causa de presunção, inveja, aborrecimento, tentativa de se integrar (tal é a prioridade do sentimento de pertença que o ser humano estabelece, de que Maslow falava), curiosidade ou simplesmente pura estupidez, não tenho qualquer apetência para o que quer que seja que esteja relacionado com a vida alheia e é apenas mais uma daquelas coisas - tal como muitas no ser humano societal - que não me faz sentido algum.

Tuesday, January 07, 2014

Juventude perdida

Ela faz-me lembrar de mim quando miúda.
Imagino que todas nós, então, sejamos assim: paixões platónicas, pensamentos e sentimentos radicais e extremas emoções.

O conforto e a doçura de uma maçã cozida, uma papa ou uma canja de arroz, a lembrar a infância delicada. Para não falar dos longos cabelos e roupas largas quentes, para nos darem um abraço sempre que está frio...

Mas há coisas que nunca mudam. A madrugada e o luar, o pôr-do-sol e a praia. Às vezes não sei se destruo o que está no meio de propósito, para assegurar que o fim é o melhor, já que o princípio teve uns seus raros momentos leves.

O tempo o dirá, como sempre, só ele tem essa eloquência.





Saturday, January 04, 2014

Naquela tarde em Foshan

Funestos festivais de cores
que os amores vêem na melancolia do céu
quando caem as flores de cerejeiras
com as suas pétalas alvas
brilhando através do breu.

Atravessam as nuvens raios de nostalgia
que mortiços se vão deitar na terra,
entregues às suas últimas moradas
e as memórias desconsoladas
vivem nas folhas do vento lento
que move as montanhas do nosso pensamento.


Wednesday, January 01, 2014

Os Conscientes

Bem-aventurados e condenados são os que têm a consciência de não fazer sofrer pois sabem e já viram demasiado sofrimento na Terra...

Esta faca de dois gumes, ter consciência da realidade que é tão horrenda e ao mesmo tempo ter de continuar a viver, tornou-se numa impossibilidade tal que fomenta um turbilhão constante de dificuldades existenciais.

Como é que se vê, ou se tem consciência, das atrocidades que o Homem comete contra a sua própria espécie e contra as outras, contra as suas próprias crianças e se continua? As guerras, as mutilações, explorações, assédios e violações... como é que se continua depois de se ter consciência, depois de se ter gravado no olhar e na mente e no coração e na alma toda a podridão que nos rodeia e sabendo que o que quer que se faça de bom e belo nunca é um milésimo do que de mal se faz a todo o segundo no Mundo?