Saturday, April 25, 2009

111

Cento e onze vezes te beijei
em várias partes do corpo,
sempre à espera do sol
das madrugadas sensuais,
e nessas romarias de beijos
vislumbrei alta a lua.

A natureza ficou ali
estendida qual mar
e a morte qual céu
as duas divas do meu mundo
a eterna presença
de ambos androceu e gineceu.

A lira tocou cento e onze vezes,
sei-o de cor porque era eu
quem a fazia soar de cada vez
que tu olhavas o céu.

Nos desígnios do tempo e da sorte,
quem saberá o verdadeiro sentido
da hora e do número míticos
que assolaram o meu ouvido?

Monday, April 13, 2009

De todos os que amei,
Nenhum tinha o teu perfume
Que me deixava a rodar
Numa vertiginosa dança

De todos os que amei
Nenhum tinha as tuas mãos
Que detêm o mundo
E a minha alma também

De todos os que amei,
Nenhum tinha os teus olhos
Que eram tão profundos
Quanto o abismo da vida

De todos os que amei,
Nenhum me preencheu
Como a tua presença
Que me fazia esquecer tudo

De todos os que amei,
Só tu me amaste
Como se a vida e o mundo
Fossem acabar a qualquer instante

De todos os que amei
Nenhum me fez viver e sonhar
Como o teu corpo no meu
Fazendo-me tua sempre

De todos os que amei,
Só por ti o meu amor maior
Pois Tempus fugit,
Manet Amor


De todos os que amei,
Nenhum me falava com o silêncio
Como tu, meu anjo negro
Que dá sentido à minha existência

De todos os que amei,
Apenas te amei a ti sem ti
Por todas estas razões
E outras que desconheço

Só o teu amor é de verdade

Sigo na rua e as pessoas passam isoladas e apressadas, num frenesim desconcertante. Por todo o lado há rebanhos de carros pelas veias apertadas da cidade. Só os meus passos são lentos e descontraídos, em direcção ao rio, ao Tejo claro debaixo da luz ofuscante do céu azul brilhante.
Quando chego perto do cais, mais uma vez vejo pessoas a correrem como se fugissem de algo, todas a sair desordenadamente da barriga do ferry.
Sento-me à beira-rio, como tantas vezes já fiz, em conversa muda com o rio, com a vida e com a morte nas profundezas. Quando sinto a mão cálida do sol a tocar-me o rosto e a embalar-me as memórias mais queridas, penso em como gostaria de partilhar mais aquele momento contigo.
Em redor, tudo me parece turvo e feito de papel que esvoaça com a brisa de fim de tarde, que o rio sopra à cidade.
Sinto a tua falta e só o teu amor me parece ser de verdade, pois foi ele que me deu sopro de vida.
Depois de ver o sol que estava alto, descer languidamente no horizonte de prédios e não no rio, para minha grande frustração, levantei-me e de novo me pus a andar.
Quando lutava por serpentear nas ruas e não levar muitos encontrões dos transeuntes, desequilibro-me e em menos de um piscar de olhos, um carro abalroa-me e fico de corpo estirado, inerte e completamente dorido no meio da faixa de rodagem.
Nesses momentos que seriam os derradeiros, procuro ver-te, o meu amor de verdade que já não via há muitos anos e de quem tenho tantas saudades. Nos últimos segundos senti um abraçar que era o teu e num esforço de abrir os olhos vi o anjo negro que me viera buscar.

Sunday, April 12, 2009

06-05-2006

Os meus sonhos estão desfeitos em pedaços de carvão
Que se desmancham em pó pelo negro chão
E a minha vida é um longo processo
Em que sofrer não é um retrocesso.

Houve dias em que o céu foi mais azul
E a minha mão mergulhava no teu Ser
Como se fosses água de mar revoltado
Que eu apaziguava com o meu olhar.

Não sei se te amei o suficiente para te querer
Nem mesmo sei quem foi que te perdeu
Apenas sinto uma febre nas entranhas
Uma vontade de evaporar numa explosão.

Abraço a dor que a madrugada me traz
Todos os dias com a coragem do perdão
De uma pessoa que não sei quem é
Nem eu mesma sei porquê.

Houve dias em que o sol foi morno
Dias perfeitos como dizia o cantor
Mas a tua cobardia escurece agora
Todas as memórias que tenho deles.

Ainda assim te posso dizer
Que não há ninguém até hoje
Que me tenha preenchido a alma
Como tu o fizeste em tempos.

Monday, April 06, 2009


Este lugar é velho:
No ar vagueiam lembranças,
Cheiros e aromas de recordação
Na mística melodia do vento,
Transportando consigo poemas
Que agora me parecem áridos,
Vazios de terem estado cheios;
Duras são as fragrâncias
Relembradas pelo poeta;
Choro, outrora riso incurável,
Cá dentro já tem alento.
Só me esqueci de o esconder,
Tal como com as lembranças,
As quais me esqueci de esquecer.

Este lugar é velho:
Intrépidas estão gotas de orvalho,
Como quem espera um florescer
No tom do silêncio conformado,
As breves ruínas do meu parecer
Avistam-se ao olhar pelo horizonte
Naufragando perdido no tempo,
Infinito segregando murmúrios
De mistério e tesouro que é,
Cego pela distância que aflige
A herdeira da luz e beleza
Que resplandecem apesar de tudo;
O paraíso onde está aquele lugar
Ficou mudo de memórias obsoletas.

Pássaros que falam
De como perderam a sua aptidão
De voar livremente e tão bem
Contam que já nada têm
Pois quebraram-se as suas asas
Rasgadas ao maior descuido
Sem nada restar sequer.

Nuvens que choram
De tanta mágoa, secas de Razão
De correr tão apressadas além
Contam que já nada vêem
Pois taparam-se, com o sol, rasas
Ficadas ao sabor do ruído
Intermitente quando se quer.

Estrelas que calam
O silêncio mudo de coacção
Também de brilhar sem querer
Contam que já nada festejem
Pelas suas desgraças eu cuido
Ouvindo os seus lamentos de mulher.

Palavras que chagam
A pegada a caminho do coração
Lembranças persistentes retém
Contam que já nada têm
As letras não o têm possuído
Nem nunca outra coisa qualquer.