sexta-feira, janeiro 29, 2010

A Festa

Monotonia, cheia de barulhos,
acompanhada por um relógio;
sorrisos insinceros, largos,
vão ecoando como estalos,
breves e ocos, de balões 
cheios de nada.

Gente frustradamente já conformada
preenche o tempo na esperança
de que ele passe e não se note
a sua existência perturbadora, 
constante,
que a todos põe ansiosos.

É algo que se demonstra intocável.

Alegria boba, que ruidosa que é,
vingada por um anjo negro e só,
numa festa entediada e vã.
Mentiras cortantes como papel,
feitas de água ímpia e esguia,
apunhalam a escrita solene
de quem se revelou cínica.

quinta-feira, janeiro 21, 2010

Estou longe de ser perfeita, mas para a imperfeita pessoa para quem sou a mais perfeita e que para mim é a perfeição em pessoa, estou definitivamente pronta para ser mais que perfeita.

terça-feira, janeiro 19, 2010

sem título

Não me consigo mexer - sou alguém congelado no tempo das feras mansas.
Vislumbro o rasgar de vinte e quatro vozes que ecoam eternamente
- a luta da vida em constante rotação.
O cheiro das pedras no meio das pétalas de enxofre... 
deliciam-me,
trepam-me às fossas nasais como se fossem pequenos homens
em cumes de montanhas tortuosas, sem oxigénio nas bolsas lacrimais.

Sou o velho ar do campo, cansado, de tanto percorrer a vastidão 
- terrenos de miséria, abandono e fel. 
Gotejam-se sombrias as histórias dos velhos na escuridão
- outrora cânticos de trigo de oiro e mel.

Não me consigo mexer - é o súbito reumático da nostalgia.
As saudades que são iguais em todas as línguas e sentem-se
assim tão sós, tão frágeis, 
como as próprias mãos das velhas do campo.

Sei que um dia voltarei àquele lugar, 
e entre árvores frondosas e leitos secos
estará a mesma velha senhora à sombra
- a mãe de todos os seres.




segunda-feira, janeiro 18, 2010

O Regresso

Esta noite regresso ao teu corpo
de onde saí há muitos dias atrás
sozinho
no meio da tempestade de breu.

Sussurro segredos na tua pele
lentamente 
deslizo para atracar no teu porto
esse meu abrigo das horas de luz.

Estarás sempre à minha espera
e quando me deito
no lugar do teu coração
floresço.

Com o seu bater de tambor manso
começa a dança do eterno conforto.

Esta noite regresso ao teu porto
como escuna que volta do mar frio
e procura o calor do teu farol a sul. 

Ergues-te uma vez mais 
e em tuas mãos adormeço
e encontro a minha paz.


segunda-feira, janeiro 11, 2010

Rasgo

A inocência tresmalhada pelo conta-gotas do mal.
A inocência que não foi, que não esteve, que nunca chegou.

Porque não podes querer nada, porque és pobre e miserável 
e a estes apenas cabe a luxúria da penúria e do abandono.  

Não ambicionas, não vês as fráguas perfumadas a carmim 
- o desejo.

Hoje és poalha nas digitais de um vagabundo
e habitas o asco com que todos o olham.

Não foste parido pela educação do estóico,
nem por outra qualquer. Apenas largado.

Ninguém te ensinou a querer. 
Houvesse quem te tivesse tido amor
e talvez conhecesses a irmã da chama 
que habita nos seres completos,
nos que não foram abandonados.

Mas tu és apenas inexistente,
como as flores invisíveis do mal.