quinta-feira, setembro 29, 2011

«Mutatis mutandis»

Os meus olhos não estão mais pequenos,
apenas a pele que os envolve está cada vez mais preguiçosa,
pois o sangue já não é bombeado com a pujança de outrora
pelas artérias da cervical.

As sobrancelhas não estão mais felpudas,
apenas descaem porque passaram demasiados anos sem dormir.

A pequena criatura que me visita muito raramente, sempre tão ternurenta,
deixa-me agora, só, com a minha esgotada tristeza.
E o meu rosto, apesar de já não estar empalidecido, ainda espelha as escoriações da minha alma.

Vigora a lei da inércia e eu, corpo pequeno,
daqui a uns anos suplantado pela pequena criatura,
tenho sofrido pela força do que me rodeia.

Na linha do tempo foge a Vida, como um passageiro num comboio,
sem ter tido a coragem de mudar de carruagem ou de sair numa qualquer estação
antes de chegar ao seu desconhecido destino.

sábado, setembro 17, 2011

Ter-te perto

Preferia ter-te por perto,
mas que tivesses a meio das costas, enganchado entre uma vértebra, um cordel, elástico, para que te pudesse puxar e devolver-te ao mundo sempre que necessário.

Sei que chega uma altura em que, por me serem previsíveis, irritam-me os traços que no início me encantavam, acontece aos melhores, com o passar do tempo; daí nunca ter permanecido muito tempo,
mas confesso que me sabia bem, numa espécie de manto cálido de conforto, aquele simulacro de ventre,  permanecer apenas,
perto, tão perto quanto desejável.

E sei que estás sempre dentro de mim (porque te tornaste parte integrante do meu corpo e da minha mente) e isso já não me incomoda tanto quanto no início em que me pulsava a um ritmo louco a memória e a presença do teu ser, no sentido em que quase me impossibilitava fazer o que quer que fosse, por me sentir com o peso constante da tua ausência a esmagar-me por dentro...

no fundo apenas te quis e sempre te quero     perto.

mas sei que não é possível. pelo menos por enquanto.

Regresso a ti e tu a mim de vez em vez, como se fôssemos a areia e água do mar; absorvemo-nos, enrolamo-nos, mas somos sempre uma mistura heterógenea; tão únicos e complementares.

Hoje sei que será possível a mediania da distância, o negociar das individualidades, o elevar do amor e da intimidade a um patamar sublime, intocável e impossível de se destruir.

Resta saber, quando será que... te vou ter perto.