quarta-feira, abril 28, 2010

Sem título (2)

Ela é uma miniatura de ti,
quando ela pensa e fala
aquilo que tu não dizes.
Igual a ti,
nos teus traços morenos e altivos
de uma nobreza genuína,
rara de se encontrar.

Tu és como os arco-íris que vejo
e me deslumbram
mesmo embora nunca chegue
a ver todas as suas cores,
a sua complexidade sempre me fascina.

Quando seguro a tua cabeça,
um ovo delicado 
na cova da palma da minha mão pousado,
chego a sentir o palpitar de um feto
que se une com a minha veia
que vai directo ao coração.
Aí, também ela é um só,
de novo, contigo,
nesse palpitar constante e seguro.

Tudo se encaixa, por momentos,
naquele palpitar
- o pulsar de todo o mundo se funde num só -
e o que resta é apenas Silêncio.

segunda-feira, abril 26, 2010

sem título

Quero fazer de ti as minhas manhãs de sol, que me aquecem lentamente o corpo num tímido abraçar.
E quando chove no meu mundo, quero fazer de ti meu guarda-chuva e refugiar-me, no teu corpo magnânimo, do manto cinzento que cobre o céu.

Quero que faças comigo o que a Primavera faz às flores, e que me envolvas no perfume dos crepúsculos de mil tons, enquanto apartas os caminhos luxuriantes desses jardins.
Os meus dedos percorrem todos os sítios por onde andaste e desejo arduamente ir contigo nessas tuas viagens. Trilhos de escarlates ladrilhos, os da vontade e do medo. Trilhos carmim, fogosos, os da liberdade alcançada.
Por fim, quero fazer-te minha noite, para te marcar com um último beijo frio.

quinta-feira, abril 22, 2010

De cinzas a cinzas.

Se convives com problemas,
não deixes que te esquente
o facto de teres dilemas
pois a morte chega a toda a gente

Para quê tanto alvoroço,
mais as brigas e confusões,
ainda te dá mas é um troço
e não ganhas soluções

Perante a inevitável morte
tudo o que existe é relativo,
nunca se sabe se tem sorte

Quem é inocente ou bandido
nunca escapa ninguém ao fim,
de cinzas a cinzas, é só assim.

terça-feira, abril 13, 2010

Manifesto pela liberdade da alma

Eu não posso mais ser a tua garrafa de oxigénio, que tanto te pesa nas costas quando mergulhas nas lodosas águas das tuas memórias; o teu chá relaxante, o chocolate que te acalma a libido, ou mesmo o tóxico tabaco que te esfumaça a ansiedade.

Não estou aqui sempre para te afagar o teu, já parco, cabelo, e dizer-te que tudo irá passar, que juntos conseguiremos ultrapassar tudo; tão simplesmente porque tu desististe, inúmeras vezes, de nós e eu sou apenas a parte da tua vida que escolheste ignorar.

Um dia pedi-te a minha alma de volta e disseste simplesmente que eu podia ir buscá-la quando quisesse. Eu voltei para resgatá-la da masmorra que o sofrimento da indiferença e do abandono construíram, com mil cuidados, durante anos a fio. Agora estou aqui, de alma livre e repleta de episódios fechados com lacre, e vazia de tanto ter estado cheia.

domingo, abril 04, 2010

A morte é uma lenta escrita...

Na maior parte das vezes, durante toda a minha escrita, tinha assunto suficiente para usar as folhas de papel na íntegra. E tudo tinha sempre um título, por mais que eu não o indicasse nos textos que discorria.
Agora tenho a sensação de que, de cada vez que me socorri através da escrita, de cada vez em que tudo era demasiado e a inspiração não faltava, houve algo em mim que eu matei, apunhalando-o pela frente com a caneta bem afiada. A pessoa que eu sou já morreu muitas vezes: sempre que quis que a minha existência terminasse, e sempre que dei por mim a continuar.
Pensei que houvesse muitas pessoas como eu, que sofriam de males corrosivos, mas quase invisíveis, e expiavam-nos através da escrita numa lenta dança para entreter a morte.

Nada restará de nós, no entanto. Todas as palavras que dissemos foram sugadas pelo negro vácuo do esquecimento. Assistimos impotentes à sua fatalidade e não nos mexemos, paralisamos perante os seus longos braços de tinta correctora. Não soubemos, jamais, lutar contra os desígnios que nos eram apresentados, apenas escrevemos porque não conseguimos dar sentido a nada.
Exercício vão? Não, não me parece. Transpira-se luz na tinta que modelamos sobre as linhas ténues no papel. Mais ainda, transpira-se a vida de quem não viveu.