terça-feira, outubro 08, 2024

Persona

  É possível que eu não tenha conhecido alguém tão genuíno e tão falso ao mesmo tempo, quanto tu. O teu ar de espontâneo espanto, meio embasbacado, meio aturdido, o teu riso arreganhado sempre jocoso, alternando em silêncio e gargalhada sonora - convulsões corpóreas. 

Essa mistura desesperada muda de cinismo, sarcasmo e um misto de resignação, que só tem explosão em ocasional ocasião.

E lavas o sexo e quando te olhas ao espelho não te demoras, senão a treinar poses e pequenos gestos: lábios, olhos, mãos, cabelo. És um arquitecto de emoções. 

Planifica-as como se fosse um maestro a dirigir cada secção de instrumentos. 

Hoje em dia, tal como naquele ano de 2014 em que tomavas comprimidos, a depressão não te permite muito. Foste um homem que matou e matou-se a seguir. Tens covas nos olhos e dedos e contorno do rosto mais grossos, como incha a negação. A minha frustração, em vez, deve ser como a raiva que corrói o fígado e o estômago, seca tudo. 

A tua falta de profissão e a minha não nos tornaram vagabundos. Somos errados, nada errantes, atrofiados em nós mesmos nas masmorras de quem nos deu vida.

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