Uma pessoa nunca sabe o que está ao virar da esquina. Nós, os pedestres, não temos direito aos postes com espelhos convexos, que avisam quem, ou o quê, vem do outro lado.
É um pouco como na vida: ninguém nos avisa, nem temos forma de ver o que nos espera se quisermos mudar de trajecto. É daqueles acasos que a vida nos dá, premiando-nos como se fôssemos todos jogadores diários de totoloto - às vezes tem-se sorte, outras não.
No outro dia, vi duas pessoas chocarem violentamente ao cruzarem uma esquina e eu, como estava do outro lado da rua, apesar de poder avistá-los não conseguiria avisá-los a tempo de evitar o pior. O choque foi tal, que uma senhora foi impulsionada para trás, caindo ao chão. As pessoas circundantes acudiram-na e o rapagão que a derrubou também, pedindo-lhe desculpas e oferecendo ajuda para lhe carregar os sacos, ainda que ele estivesse a ir em direcção contrária e com hora marcada quando tudo se deu.
As pessoas olhavam para o rapaz e culpavam-no, secretamente, com as suas expressões faciais que gritavam acusadoras: "estes rapazes não se preocupam com os outros, andam sempre a correr"; "matulões, levam tudo pela frente". Felizmente, nada de grave sucedera e as pessoas foram seguindo os seus caminhos.
Todo este episódio fez-me então lembrar de um outro, comentado há cerca de um mês atrás por amigos do círculo das Artes.
Pedro Deslandes embateu numa caixa alta de metal que estava mesmo a seguir à esquina que ele dobrou. Foi pressionado pelas pessoas que seguiam atrás de si a andar mais rápido, e pelas pessoas, que vinham em sentido contrário, a dobrar a esquina um pouco mais encostado para o lado direito, e foi quando o seu ombro embateu na caixa alta de metal, provavelmente de instalações eléctricas que ele sentiu o seu ombro ir para trás com o impacto. Com o diagnóstico de ruptura de ligamentos, tendo o ombro deslocado, Pedro teve de ficar com o braço afectado ligado ao peito para se manter imóvel e não se arriscar a qualquer esforço.
Deslandes era escultor, artista comissionado por galerias até noutros países, mas ultimamente não tinha apresentado novas obras; falava-se de que ele estaria com falta de inspiração e que não produzia nada há meses por ser incapaz de ultrapassar esse bloqueio.
Quando finalmente em casa, Pedro retirou as ligaduras que lhe tinham acabado de pôr no braço convalescente, porque lhe lembravam as múmias e artefactos em barro entrapados, pertencentes a uma escavação egípcia, que estiveram no museu onde trabalhou quando era mais novo.
Pediu, então, à amante da ocasião, que por conta do sucedido teria alongado a sua presença em casa dele, que lhe ligasse o braço junto ao peito com um lenço que ele mesmo lhe passou para as mãos. "Que toque tão suave", disse ela e ele respondeu apenas: " Pura seda, o melhor dos tecidos." Depois de ter feito o que Pedro lhe pediu, e quase colocando um pé do outro lado da fronteira, no território do carinho, que era tacitamente proibido entre eles, recompôs-se e disse: "Adeus, espero que melhores rápido", com um encostar de bochechas, apartou-se, e fechou a porta.
De imediato, Pedro Deslandes, pensou naquela despedida dela, em como o leve embate das suas bochechas foi para eles a despedida possível; em como há pessoas que chegam juntas, caminhando pela mesma rua, até a uma esquina e aí, só aí, cada uma delas vai à sua vida.
Porque é que as esquinas são propensas a despedidas? É porque a sua geografia exige que as pessoas sigam caminhos diversos? E por que esperam elas, depois de caminharem toda a rua juntas, para chegarem a uma esquina para se despedirem?
Pedro Deslandes era escultor e viu no seu embate numa esquina, toda uma panóplia de imagens e conceitos por explorar. Teclou notas sobre elas com a mão esquerda, no computador. Passados dias, Pedro já tinha o seu braço sarado e pôde finalmente começar a tirar partido das ideias geradas pelo infortúnio que sofrera.
Agora, criava figuras humanas, frágeis, à lembrança de Giacometti, umas gigantes e outras menos, divididas em esquinas. Todos os artistas comentavam o regresso prolífico de Pedro Deslandes às esculturas e, com sucesso. "Geniais", aflorava já a crítica, e claro, alguns não se continham e, jocosamente, ouvi falarem entre si: "qual inspiração, desloquem-me mas é o braço!", ao que alguém respondia: "vai esperar para uma esquina!".
É um pouco como na vida: ninguém nos avisa, nem temos forma de ver o que nos espera se quisermos mudar de trajecto. É daqueles acasos que a vida nos dá, premiando-nos como se fôssemos todos jogadores diários de totoloto - às vezes tem-se sorte, outras não.
No outro dia, vi duas pessoas chocarem violentamente ao cruzarem uma esquina e eu, como estava do outro lado da rua, apesar de poder avistá-los não conseguiria avisá-los a tempo de evitar o pior. O choque foi tal, que uma senhora foi impulsionada para trás, caindo ao chão. As pessoas circundantes acudiram-na e o rapagão que a derrubou também, pedindo-lhe desculpas e oferecendo ajuda para lhe carregar os sacos, ainda que ele estivesse a ir em direcção contrária e com hora marcada quando tudo se deu.
As pessoas olhavam para o rapaz e culpavam-no, secretamente, com as suas expressões faciais que gritavam acusadoras: "estes rapazes não se preocupam com os outros, andam sempre a correr"; "matulões, levam tudo pela frente". Felizmente, nada de grave sucedera e as pessoas foram seguindo os seus caminhos.
Todo este episódio fez-me então lembrar de um outro, comentado há cerca de um mês atrás por amigos do círculo das Artes.
Pedro Deslandes embateu numa caixa alta de metal que estava mesmo a seguir à esquina que ele dobrou. Foi pressionado pelas pessoas que seguiam atrás de si a andar mais rápido, e pelas pessoas, que vinham em sentido contrário, a dobrar a esquina um pouco mais encostado para o lado direito, e foi quando o seu ombro embateu na caixa alta de metal, provavelmente de instalações eléctricas que ele sentiu o seu ombro ir para trás com o impacto. Com o diagnóstico de ruptura de ligamentos, tendo o ombro deslocado, Pedro teve de ficar com o braço afectado ligado ao peito para se manter imóvel e não se arriscar a qualquer esforço.
Deslandes era escultor, artista comissionado por galerias até noutros países, mas ultimamente não tinha apresentado novas obras; falava-se de que ele estaria com falta de inspiração e que não produzia nada há meses por ser incapaz de ultrapassar esse bloqueio.
Quando finalmente em casa, Pedro retirou as ligaduras que lhe tinham acabado de pôr no braço convalescente, porque lhe lembravam as múmias e artefactos em barro entrapados, pertencentes a uma escavação egípcia, que estiveram no museu onde trabalhou quando era mais novo.
Pediu, então, à amante da ocasião, que por conta do sucedido teria alongado a sua presença em casa dele, que lhe ligasse o braço junto ao peito com um lenço que ele mesmo lhe passou para as mãos. "Que toque tão suave", disse ela e ele respondeu apenas: " Pura seda, o melhor dos tecidos." Depois de ter feito o que Pedro lhe pediu, e quase colocando um pé do outro lado da fronteira, no território do carinho, que era tacitamente proibido entre eles, recompôs-se e disse: "Adeus, espero que melhores rápido", com um encostar de bochechas, apartou-se, e fechou a porta.
De imediato, Pedro Deslandes, pensou naquela despedida dela, em como o leve embate das suas bochechas foi para eles a despedida possível; em como há pessoas que chegam juntas, caminhando pela mesma rua, até a uma esquina e aí, só aí, cada uma delas vai à sua vida.
Porque é que as esquinas são propensas a despedidas? É porque a sua geografia exige que as pessoas sigam caminhos diversos? E por que esperam elas, depois de caminharem toda a rua juntas, para chegarem a uma esquina para se despedirem?
Pedro Deslandes era escultor e viu no seu embate numa esquina, toda uma panóplia de imagens e conceitos por explorar. Teclou notas sobre elas com a mão esquerda, no computador. Passados dias, Pedro já tinha o seu braço sarado e pôde finalmente começar a tirar partido das ideias geradas pelo infortúnio que sofrera.
Agora, criava figuras humanas, frágeis, à lembrança de Giacometti, umas gigantes e outras menos, divididas em esquinas. Todos os artistas comentavam o regresso prolífico de Pedro Deslandes às esculturas e, com sucesso. "Geniais", aflorava já a crítica, e claro, alguns não se continham e, jocosamente, ouvi falarem entre si: "qual inspiração, desloquem-me mas é o braço!", ao que alguém respondia: "vai esperar para uma esquina!".
4 comentários:
fantastico blog, fantasticas poeisas. adorei ler estas palavras antes de adormecer, sao palavras e pessoas como tu que me fazem crer que o mundo afinal é melhor do que se pensa. beijo ass: João
Uau, muito obrigada, João, acho que nunca recebi um elogio tão bom; faz-me não querer desistir de publicar aqui. :)
ola Sonia.Espero mms que nao desistas. porque este passou a ser um cantinho onde venho refugiar-me e embevecer-me nas tuas palavras. também já tive um blog onde tambem escrevia algumas poesias e historias, mas acabei por desistir. mas nao tenho nem metade do teu talento. beijo, fico a aguardar novos textos. ass:João.
Ainda tens o endereço disponível, desse teu blogue? Gostava de ver o que escrevias. O próximo post está a caminho, tlvz ainda hoje, apesar de estar meio adoentada. Uma espécie de micro-teatro, mas está meio doido, por isso não sei se terá boa recepção lol
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