terça-feira, março 30, 2010

Tamara

Vinte e quatro horas de prazer renegado, numa terra distante, num bar, a escura loca de alimárias, onde te vi chegar de mansinho como uma musa do xaile adriático. 

Os teus olhos, tulipas negras, e os teus infinitos cabelos de seda e tinta-da-china, ambos incrustados numa superfície de alvura, num corpo de alaúde que tocava a música com que Orfeu acalmou o dragão que eu agora me sinto, perante a tua cândida figura. Rosto desenhado por Eros e Psiche, com plumbagina na polpa das digitais, esfregando a poalha plúmbea contra o papel das nuvens rarefeitas, numa criação de amor. Eu, um tonto, melodramático, neurótico até aos ossos, transformo-me defronte à oferenda que lobrigo, e quando o teu embrulho me é apresentado com a negrura dos teus olhos e cabelos – nem o brilho sintético do teu mínimo tope branco consegue competir com eles –, sou atraído, como um pequeno insecto noctívago, para a lura do umbigo no teu ventre de alabastro. 

Desfio um punhado de estribilhos, ao som do teu alaúde, qual trovador lendário e os teus lábios lúbricos abrem as suas asas de borboleta álacre. É, então, que o calor dos sentimentos ígneos, num crescendo, deseja engolir o teu pequeno corpo com um terno abraço. Imagino-me: que o interior das tuas coxas se aninha na concha das minhas mãos e eu, apartando-as, beijo o húmido casulo da tua orquídea com o meu androceu. Adivinho-me: onde consigo tocar os teus pequenos seios, montes helénicos, que, perfeitamente, formam cumes de gelo que derreto quando roço o polegar e o indicador, langorosamente, por eles, como se fosse um alpinista embriagado pela falta de oxigénio. 

Trazes as bebidas que foram pedidas e a lágrima que desliza do copo de cerveja gelado me transporta para o suor que escorrega do vale das tuas costas, enquanto eu te envolvo por trás, tocando-te no pescoço com lábios de algodão. 

Nada pode matar esta sede. 

Reminiscências de fantasias, sonho ou realidade, nunca se sabe, tal é a ebriedade com que os vapores do Adriático me anestesiam – essas gotículas, a humidade da tua língua, os corpúsculos no ar, desesperados, numa correria insana, padecendo do mesmo feitiço desse druída primordial. E tu, a vestal cujo nome faz lembrar, imediatamente, o mel do suco fértil dos oásis que tu me apresentas, um a um, várias vezes, nesta noite cálida. 

A madrugada é generosa e o fruto, que sugo pelos teus lóculos, é essencial para a minha sobrevivência naquele local obscuro. Linimento que me molha os lábios e me arrepia os poros, essa tua polpa desmesuradamente doce, para quem, com sofreguidão, anseia fundir-se contigo, absorver-te. 

Nada pode suster este desejo.

4 comentários:

Al Reiffer disse...

Apreciei os teus textos. Parabéns!

Sónia Costa Campos disse...

Obrigada, sr. professor :))

Anónimo disse...

olá sónia, ainda não desapareci, mas como vim trabalhar, pa povoa de varzim, tive que mudar armas e bagagens da covilhã para aqui, os teus textos continuam brutais, apesar que este último vou ter de lê-lo amanhã com mais calma. beijinho mt grande, do teu forever fan. João

Sónia Costa Campos disse...

ah, tão querido, por acaso já tinha pensado umas duas vezes se terias ficado desiludido com o Da Amizade e entretanto já tenho mais um texto para pôr aqui e também já tinha pensado que irias gostar. Ainda bem que não desapareceste. Este texto da Tamara é inspirado numa rapariga que era empregada num clube na península Istria, na Croácia.Tamara era o nome dela. ehe, acho que ficou brutal.