terça-feira, março 30, 2010
Tamara
sábado, março 27, 2010
Jul. 1999 refugiada in Ericeira
Ó palavras insuficientes! Palavras vãs e de ditos pardos... Vivam as flores, não, minto, nada sobrevive; pode viver mas não sobrevive. E como isso é de uma tristeza abominável!
Pessoas, palavras: velhos e cansados assuntos.
Tenho a brisa que é fresca e oportuna, quando me adivinha o quente da pele. Tenho o Sol que é quente e se deixa corromper pela brisa. Tenho o mar, ali, mais à frente, lá em baixo. Não sei ao certo se isto me basta. Mas não quero pensar nisso. Penso em nada e não me adormece.
quarta-feira, março 24, 2010
Da Amizade
...
Com o tempo, aprendi que os amigos nada puderam, ou podem, fazer por mim, pois as minhas feridas já eram demasiado profundas, apesar de não expostas, e ninguém nunca soube quem eu era, nem muito menos de que maleitas padecia. Quando estive à beira do fim, não houve, de nenhuma das vezes, quem por me segurar a mão me retirasse a galopante mortalidade do peito. É, quando somos mais novos, da mesma forma que sentimos intensamente as coisas, também a acção das amizades que fazemos nos parece igualmente forte. Depois, com o tempo, tudo se esfria, neste banquete de emoções que é a vida.
sexta-feira, março 19, 2010
Lisboa sob influência em "Absinto - a inútil deambulação da escrita"
"lisboa, apesar da sua luminosidade única, é uma cidade solitária e triste, mas misteriosa, não tem pressa de mostrar tudo de chofre, e ao percorrê-la adivinham-se enigmas, usurpações, imposturas, traições, desesperos, transgressões, rebeliões e mortes, é uma cidade trágica, mas não enfermiça como londres, nem hostil como as cidades alemãs, austríacas e suíças, e a tragédia, não confundir com pieguice, é sempre a base de um grande romance
palmilhei incansavelmente toda a zona histórica da cidade, em passinhos incertos e encolhidos, como os de um velho e mendicante vagabundo urbano, conheço de cor os seus recantos, as suas passagens secretas sob arcadas centenárias, as suas escadarias intrincadas como espinhaços, descobri fontes e chafarizes, neptunos e nereidas aspergindo água pelos mais diversos orifícios e contemplando, com o olhar de turistas suíços obcecados com a limpeza, o seu próprio verdete e o lodo e o musgo agarrados ao fundo dos tanques
descobri ainda estátuas que não vêm nos guias, janelas com formas estranhas, estruturas em ferro, varandas curiosas, umas repletas de flores e trepadeiras, outras decadentes, com esferas armilares a penderem de ferrugem, e decorei o som único das badaladas frenéticas de cada uma das igrejas da baixa, quase sempre desertas, mas que não deixam de convocar os seus fiéis de tempos mais crédulos, ignorando, ou fingindo ignorar, que estes já morreram, mas para elas talvez nunca tenham morrido
penso que, quando caminhava nessa lisboa simétrica, os outros, os do olhar turvo e sem brilho e que se movimentavam como miniaturas articuladas, em passinhos nervosos e apressados, ainda não como os loucos, simplesmente como desvairados ou apavorados, da mesma forma que não viam essa outra cidade, também não me viam a mim, a não ser uma rapariga que se cruzou comigo uma noite, na costa do castelo, e com a qual troquei, por breves segundos, um olhar frontal e cúmplice, que recordo até hoje, possivelmente por nunca a ter chegado a conhecer e ter permanecido misteriosa, insondável e desejada"
[in Absinto (a inútil deambulação da escrita), RUI HERBON, Parceria A.M. Pereira 2005]
"VOAR COMO OS PÁSSAROS, CHORAR COMO AS NUVENS" *
estás doente mamã?"
(...)
"alguém disse amor?
se for importante para si, se por eu dizer essas duas palavras mínimas, separadas por um não menos insignificante tracinho, a conseguir levar até ao quarto e envolver a sua figura balzaquiana nos meus braços murchos, acredite que
amo-te
mas não tome demasiado a sério, aceite com a mesma leveza das mentiras piedosas que se aprendem com a idade, a mesma leveza com que disse ao seu marido vou fazer serão"
Autor: RUI HERBON
* [Voar como os pássaros chorar como as nuvens (um filme português), Parceria A.M. Pereira 2004]
Um dos melhores livros que já li! A verdadeira obra-prima! :)
a) 1º excerto pg. 37; 2º pg. 85; em cada frase, neste livro imenso, conseguimos sentir uma profunda poesia em cada palavra, é mesmo do melhor, uma experiência inesquecível, recomendo vivamente.
quinta-feira, março 18, 2010
Do Amor
O amor é provavelmente mais parecido com a morte, devido ao seu carácter de solidão. Já a vida, seja ela mais luzidia ou sombria, faz-se na união, celebra-se entre dois ou mais, com um copo de uma bebida qualquer ou com um pedaço de comida. O trago da mesma bebida e o mesmo bocado de comida podem servir para afogar a dor dos seus outros dois companheiros: o amor, a morte e a vida são a verdadeira santa trindade.
quarta-feira, março 17, 2010
A Poesia é para sobrevivermos
A Poesia não tem uma só Língua, nem palavras, mas sim, ela própria é a Linguagem como nos sentimos no Mundo, puro encantamento de Alma, estado divino da Arte dentro de nós. Não é o que nós concebemos, pois ela existe com autonomia plena desde os primórdios e só invade a Alma e o Coração de alguns que vêem e sentem para além do que é tido como realidade.
sexta-feira, março 05, 2010
Por causa de uma Criança
Não te lembrarás dos primeiros livros que tiveste e que eu te dei, nem das outras prendas que te enviei sem saber se chegariam até ti.
As vezes em que te ensinei as cores e a dizer yee-haw sempre que atravessávamos por lombas nas viagens de carro, agora invisíveis.
Não te vais lembrar de mim, dos meus cuidados e afagos para contigo, as vezes em que te embalei, te protegi do frio e tu ficavas a olhar para mim fascinado com o meu cabelo.
A vida continuava complicada, mas a felicidade nunca foi mais simples.
Momentos de um entendimento e de uma doçura ímpares. Eu vou guardá-los e se a memória não me atraiçoar, saberemos que eles existiram, que não foram apenas fruto da minha imaginação e que o nosso Amor também foi de verdade.
quarta-feira, março 03, 2010
Em tua ausência...
por debaixo de frondosos choupos.
Lavei-te as feridas com as minhas lágrimas
e cheiraste-me a rosas,
desfiadas as suas pétalas no meu colo.
Dentro de mim, quando ouvia a tua voz,
vibravam pequenos cristais,
prismas de luz pela tua boca irradiados.
Longe de ti as palavras perderam o som.
Deixei-te vestido com sombras e entregue à noite.
Às vezes, tenho dúvidas sobre o teu rosto
e consulto uma tua fotografia, como se fosse
o dicionário da memória da minha paixão.
Fecundo, o teu abraço, e longos, seus dias de sol.
Agora também ele, jaz na fotografia,
enquanto o teu corpo, semente da penumbra,
marca-me a ferro e brasa com a tua ausência...
Não durmo, tenho pesadelos. Uma e outra vez
tu apareces neles e sempre a sensação angustiante
de que te vou perder, engolido por uma onda,
ou por outra avassaladora fatalidade,
a que assisto impotente, a querer gritar
e a despertar à força, arrancada dos seus ventres
da mais dolorosa maneira.