sexta-feira, junho 27, 2025

Eu fui o outro

 Eu fui, até há pouco tempo, o outro. Fui primeiro os meus pais, depois a minha avó, depois o meu irmão, depois a minha irmã. Eu fui um bom bocado aquelas crianças que salvei na trilha, todas a que fui tomando conta ao longo da vida, depois aquelas mocinhas meninas coleguinhas, que tinham seus primeiros namoradinhos e eu socorria-as. Raparigas de meio corpo inteiro, meninas-mulhetes, meninos-amigos, primos, tios, tias, pessoas às colheres! 

Eu fui depois eles, meninos-homens, confusos, sem nunca deixar de ser todos os outros. É, fui acumulando ordens; "prazer, Sónia, às suas ordens". Primeiro manos, depois ciganos, primeiro platónicos, depois sónicos, primeiro amores, depois dores, primeiro serenos, depois eternos, todos com pelo menos um momento muito mau.

No final, desisti, quis só ser de mim, eu, sem ser outro que nunca fui eu. Fiquei sozinha porque sabia que nunca esteve ninguém para mim. 

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