Quando eu tinha 16 anos vi o meu pai caído aos meus pés com um avc, numa época em que ninguém sequer falava ou sabia o que isso era. Eu, que estava prestes a fazer o Crisma, vi a minha fé ruir assim um bocado como todo o meu mundo. Algo se quebrou em mim num ápice, num segundo, e até me culpei por antes rezar e pedir a Deus e aos santinhos e anjinhos e a troupe toda. Quando se é criado como católico há mesmo essa cruz de culpa imprimida no cachaço. Quando a fé se quebra, a culpa permanece, se é que não aumenta mesmo. A descrença fez de mim uma beduína num calvário ainda maior no deserto. Muitas vezes admirei pessoas que tinham fé e, por umas poucas vezes, tentei durante esse tempo de secura buscar alguma resposta ou expiação, alguma forma de entender ou me perdoar. O meu défice de crença pautou também essa espécie de apatia que sempre sentia volta e meia, o facto de tudo ser vão.
A vida foi sempre tão horrível a assaltar-me desde cedo com extrema violência, que eu desde muito cedo quis não existir para não ter de passar todos os dias pelo que eu passava e, ainda mais, quando perdi a fé que poderia dar alguma esperança ou consolo de que alguém, eventualmente, estaria a tomar conta de mim, mesmo quando eu passava pelas atrocidades todas.
Agora passados mais de 20 anos, tive de levar com dezenas de contactos com pessoas de um país que é altamente espiritual e crente, para me fazer cá dentro levantar-se uma pequena chama de fé e esperança nem sei exactamente no quê, senão também em algo ser possível, não sabendo mesmo se existe mesmo uma missão para cada pessoa neste mundo. Mas essas caminhadas ultimamente têm sido muito curiosas e tão sonantes e impossíveis de não aceitar a sua existência. Diz que quem quer acreditar acaba por acreditar em qualquer coisa, mas eu estive décadas sem acreditar em nada, mesmo querendo e necessitando urgentemente. Nem falava de questőes religiosas precisamente por toda a confusão e um certo sentir desmerecimento, tal como a minha recusa em tomar a hóstia.
É que mesmo no tempo todo em que estive assim a sentir-me mal com tudo isso, sempre levei a sério e respeitei.
Não sei se existe mesmo relação entre nós e algo divino que nos é superior e criadora, mas sabemos que as frequências estão aí, as consonãncias, os ciclos e o caos, num looping de criação e fim. O tempo, ou o que concebemos por ele, além de ser relativo também não sei se faz com que todas as coisas estejam armazenadas em vários planos e a acontecerem ao mesmo tempo. Nem tampouco sei se alma existe e se o conceito que lhe atribuímos é o que se verifica mesmo nos tais mecanismos de reencarnação (que o catolicismo não acredita, mas o budismo e o hinduísmo por exemplo sim).
Como o cérebro humano é constituído de forma a ter necessariamente de entender e conceptualizar tudo, é garantidamente em primeiro lugar uma engendragem dele mesmo toda essa noção de espírito e o que advém daí, nomeadamente tudo o que cabe admitidamente na nossa própria consciência e inconsciência. Ora, tendo ainda como acréscimo o facto de só conhecermo-nos à volta dos 5%, a quem somos e o que somos, segundo a neurociência já comprovou, então aí muito menos há a saber de certo.
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